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Reinaldo Azevedo

Decisão de Marco Aurélio sobre Aécio é totalmente coincidente com o que afirmei aqui

Reinaldo Azevedo

30/06/2017 17h54

Marco Aurélio Mello: decisão do ministro não se verga a pressões e ao alarido. Assim tem de ser

A função de um jornalista, trabalhe ele só com a informação a mais objetiva, seja um analista ou alguém dedicado à informação, à análise e também à opinião, como sou, não é torcer. Não é se comportar como um fanático de causas. A não ser de uma, acho eu, desde que se esteja numa democracia e se seja um democrata: a defesa intransigente do Estado de Direito. Para todos! Não só para os amigos.

O ministro Marco Aurélio, comportando-se com a coragem que cabe a um juiz, devolveu o mandato ao senador Aécio Neves e afastou a possibilidade de prisão, como havia pedido a Procuradoria-Geral da República. É o que eu sempre disse que deveria acontecer se as leis fossem levadas em conta. E vou expor aqui a coincidência de pontos de vista entre opiniões que expressei em meu blog e a decisão de Marco Aurélio.

Vamos ver o que escrevi neste blog, e ainda estava na VEJA, no dia 17 de maio,  e escrevi:
"[Fachin] Houve por bem não mandar prender o senador porque, afinal, existe o Parágrafo 2º do Artigo 53 da Constituição, segundo o qual um parlamentar só pode ser preso em flagrante de crime inafiançável. E, ainda assim, a Câmara (se deputado) ou o Senado (se senador) decidirá se a prisão será mantida.
Ora, se não mandou prender o senador em razão do mandamento constitucional — e Fachin o admite —, então a ordem para que se afaste do mandato é um despropósito porque se trata de uma medida cautelar, prevista no Artigo 319 do Código de Processo Penal, alternativa à prisão. Como a prisão não era uma possibilidade, então não se cuida de aplicar uma ação que a substitua. É o lógico. É o elementar. É o evidente."

Agora prestem atenção ao que escreve Marco Aurélio:
"Os delitos, supostamente praticados, não se enquadram entre os inafiançáveis – tortura, tráfico de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e os definidos em lei como hediondos (inciso XLIII), ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático (inciso XLIV), ambos do artigo 5º da Constituição Federal. Logo, não fosse suficiente a inexistência de flagrante – o Senador não foi surpreendido cometendo crime – não se teria como prendê-lo, considerada a previsão do artigo 53, § 2º, da Constituição Federal. Vale notar que o ato extremo poderia, pelo voto da maioria dos membros do Senado, ser afastado. (…) A suspensão do mandato eletivo, verdadeira cassação temporária branca, sequer está prevista, como cautelar substitutiva da prisão, no caso descabida, no artigo 319 do Código de Processo Penal."

Sim, estamos afirmando rigorosamente a mesma coisa.

Sobre a imputação a Aécio de Obstrução da Justiça, escreveu este jornalista, no mesmo texto:
Ora, ele se articulou para aprovar o projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade e, acusa Janot, tentava articular "a anistia ao caixa dois". Um procurador com um pouco de pudor nem empregaria tal expressão porque não se pode anistiar o que não é crime. Aécio debatia com seus pares a possibilidade de estabelecer a diferença legal entre caixa dois com contrapartida, o que caracteriza corrupção passiva, e sem contrapartida. O próprio Janot admitiu que são coisas distintas. Ora, o sr. procurador-geral está chamando de "obstrução da Justiça (investigação)" um conjunto de ações próprias a um parlamentar. Sim, ele e seus menudos assanhados e corados podem não gostar da agenda. E daí? A acusação é acintosa.

E o que escreve Marco Aurélio em sua decisão?
No tocante à mobilização para aprovação de alterações e inovações legislativas, tem-se atividade ínsita à função parlamentar, protegida pela imunidade constitucional a alcançar palavras, votos e opiniões, sendo inadequado fundamentar medida que se diz acauteladora em conduta alcançada pela proteção da Lei Maior.
(…)
O Senador atua perante Órgão colegiado, composto de outros 80 membros, ao qual incumbe definir a aprovação ou não de projetos, além de ter-se, presente o sistema bicameral, o crivo da Câmara, considerados os 513 Deputados Federais. Quanto à notícia, veiculada na contraminuta do Ministério Público Federal, segundo a qual o agravante reuniu-se com políticos, atentem para o fato de somente haver sido afastado do exercício do mandato, continuando com os direitos políticos próprios ao cidadão e, em especial, àquele que detém filiação partidária e até bem pouco presidia o Partido da Social Democracia Brasileira".

E Marco Aurélio vai na veia ao dizer:
"O afastamento, tal como ocorrido, pode ser equiparado a fenômeno incabível, ou seja, ao de Ministro do Supremo, de forma dita acauteladora, como no caso, pelo Senado Federal, em processo de impedimento. Ter-se-ia o caos republicano, democrático, como se terá uma vez mantido o ato atacado. Quando o Direito deixa de ser observado – e por Tribunal situado no ápice da pirâmide do Judiciário: o Supremo –, vinga o nefasto critério da força, e tudo, absolutamente tudo, pode acontecer."

Para quem não entendeu: poderia o Senado afastar de forma cautelar um ministro do Supremo que fosse alvo de um processo de impedimento? E, finalmente, o reconhecimento de que a ordem democrática tem sido violada:

É mais que hora de a Suprema Corte restabelecer o respeito à Constituição, preservando as garantias do mandato parlamentar. Sejam quais forem as denúncias contra o senador mineiro, não cabe ao STF, por seu plenário e, muito menos, por ordem monocrática, afastar um parlamentar do exercício do mandato. Trata-se de perigosíssima criação jurisprudencial, que afeta de forma significativa o equilíbrio e a independência dos Três Poderes. Mandato parlamentar é coisa séria e não se mexe, impunemente, em suas prerrogativas.

As palavras fazem sentido, não? Há aí a evidência de que o ministro avalia que a Constituição tem sido violada.

Sinto-me intelectual e profissionalmente recompensado. Sei bem o que passeis em tempos recentes por defender o Estado de Direito. Não me sinto herói, não. Eu me sinto, e sou decente.

Afinal, a minha profissão não é ser nem tucano nem antitucano, nem petista nem antipetista. A minha profissão é o jornalismo. Qualquer pessoa que opina sobre o que não sabe tende a falar a besteira. Tanto pior quando se é um jornalista. Fala besteira e ainda corre o risco de convencer os incautos.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.