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Reinaldo Azevedo

Eis que a questão do auxílio-moradia de juízes e membros do MP volta de forma mais imoral do que antes: com a palavra, Luiz Fux, o moralista

Reinaldo Azevedo

21/06/2018 07h51

Luiz Fux: com uma liminar, ele tornou bilionária a indecência do auxílio-moradia

Ah, meu bom e crédulo brasileiro. O auxílio-moradia de juízes e membros do Ministério Público voltou à pauta, com uma imoralidade ainda mais fulgurante do que antes. Tentaram ajeitar tudo na surdina, longe da vigilância da população. Mas a coisa desandou. E, como verão, é mais acintosa do que antes.

É impressionante, não? Saia a perguntar por aí às pessoas que se interessam minimamente pelo noticiário de política onde estão os verdadeiros "amigos do povo". A resposta, claro!, será "Ministério Público" e "juízes que gostam de prender pessoas". Pouca gente se dá conta de que se está a confundir, hoje em dia, combate à corrupção com vocações autoritárias. Vejam, para ilustrar, o caso de Sérgio Moro: com uma única penada, ele se declarou o dono das provas colhidas pela Lava Jato e de todos os atos tomados pela administração federal que cobram reparação daqueles que fraudaram o erário. Ele os suspendeu. Objetivo: proteger seus delatores de estimação.

Infelizmente, estamos formando uma geração de otários. O caso do auxílio-moradia ilustra à perfeição o modo como se engana um bobo na casca do ovo. Vamos ver. Magistrados e membros do Ministério Público que eram deslocados para trabalhar em cidades distantes de onde mantém residência fixa tinham direito ao tal auxílio para, então, pagar o aluguel de um imóvel.

Pois bem! O ministro Luiz Fux, o mais sensível no STF a apelos corporativistas, concedeu uma liminar em 2014 estendendo a todos os juízes e membros do MP o benefício, que hoje está em R$ 4.375 mensais. Vale dizer: recebe a mamata mesmo quem trabalha na cidade ou área em que mora e ainda que tenha casa própria. Para lembrar: o buliçoso juiz Marcelo Bretas é dono de imóveis, no plural, avaliados em mais de R4 10 milhões. É um homem rico. Mora num apartamento de mais de 600 metros quadrados. Ele e sua mulher, também da carreira, recebem dois auxílios-moradias. Ele recorreu à Justiça para dobrar um benefício de imoralidade inequívoca e legalidade duvidosa.

Andam a fazer contas estranhas por aí. Fato: existem no Brasil, arredondado, 18 mil juízes (entre estaduais e federais) e 13 mil membros do MPF. Contam-se nos dedos os que abrem mão do tal auxílio. A conta é simples, de multiplicar: esses dois entes consomem, juntos, por mês, algo em torno R$ 135,625 milhões. No ano, mais de um R$ 1,6 bilhão. É mais dinheiro do que a Lava Jato efetivamente recuperou para a Petrobras em seu quarto ano de devastação da vida pública, sob o pretexto de combater a corrupção.

Só em fevereiro deste ano Fux resolveu levar sua liminar à votação. Mas, ora vejam, numa manobra combinada, infelizmente, com a Advocacia Geral da União, ele logo tirou a questão da pauta — estima-se que a maioria do STF vote contra a carteirada nos cofres públicos — e entregou o assunto à gestão da AGU, que criou uma "Câmara de Conciliação", com representantes de órgãos de classe das duas categorias, para… elaborar uma proposta.

Ora, considerando que só havia representantes de quem defende o benefício, dá para imaginar a proposta que saiu de lá. Atenção! Todas essas negociações eram feitas sob o compromisso do sigilo. Trata-se de uma aberração. Não foi possível bater o martelo. O assunto foi devolvido a Fux com duas sugestões:
1: aumentar o teto do funcionalismo, hoje em R$ 33.763, para incorporar o auxílio como ganho;
2: elaborar uma Proposta de Emenda a Constituição com alguma patranha a título de valorização da carreira, que garanta a grana correspondente ao benefício.

A proposta um elevaria exponencialmente os gastos públicos porque a elevação do teto teria de se dar no salário dos ministros do Supremo, que servem para indexar, em cascata, reajuste de praticamente todo o funcionalismo do país. A PEC, na vigência da intervenção no Rio, não poderia ser votada. Também será preciso ver quem assumiria a paternidade do assalto ao bolso do contribuinte.

É impressionante, pois, que se estejam buscando alternativas não para pôr fim à mamata. Ao contrário: o que se debateu em sigilo, nesse tempo, foi uma forma de dar uma roupagem nova a um privilégio odiento. Que coisa, né? Essa gente baba na gravata quando se trata de foro especial por prerrogativa de função para parlamentares. No seu caso, no entanto, até o aumento de salário é debatido não em foro especial, mas secreto. São mesmo os donos do mundo.

E quem paga a conta? Nós, os otários. Afinal, essa gente diz ter a receita para salvar o Brasil. Moro, o exemplo maior da retidão para alguns, é um dos defensores do auxílio-moradia — ele também é proprietário e recebe a mamata. Segundo disse, o auxílio compensava a falta de reajuste salarial.

Não custa lembrar que esse é apenas um dos benefícios. Há muitos outros. Não temos no país uma república de iguais.

Leio no Estadão:
A falta de acordo na Câmara de Conciliação pegou de surpresa as partes envolvidas na negociação. O presidente da Associação de Magistrados Brasileiros, Jayme de Oliveira, disse que não tinha conhecimento da informação. "Eu esperava terminar o negócio ali, rápido, com pelo menos alguma composição dentro do que a gente sempre trabalhou."

Que coisa, não é? Seria um acordo rápido, feito sem o conhecimento e o acompanhamento de quem paga a conta.

E encerro lembrando que a AGU agiu muito mal quando se meteu na questão, oferecendo uma espécie de saída moral a que não tinha saída nenhuma. Que Fux se dispense se continuar a engabelar os otários. A única coisa a fazer é pautar a questão para que vote o conjunto dos ministros.  E a gente, num gesto de boa vontade, discute a possibilidade de não cobrar o que foi indevidamente pago até agora.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.