Topo

Reinaldo Azevedo

Atenção, psicólogos! Analisem o caso “Bolsonaro, imigrantes e o ato falho”

Reinaldo Azevedo

19/03/2019 21h16

Freud, que investigou a alma humana. A história não o presenteou com espécime raro, que nasceria naquelas terras do Brasil…

É tal o desejo dos Bolsonaros — no caso, o pai, Jair, e Eduardo, o filho — de se identificar com os EUA e de mostrar intimidade com aquele país que ambos não pensam nas consequências do que dizem. O presidente se desculpou pela frase estúpida proferida na entrevista à FoxNews — que o tratou com uma figura exótica, diga-se — sobre os imigrantes. Afirmou ele à emissora:
"A grande maioria dos imigrantes em potencial não tem boas intenções nem quer o melhor ou fazer bem ao povo americano".

Nem Donald Trump, de quem também se pode esperar quase tudo, foi tão longe. Dada a repercussão negativa, resolveu se desculpar ao falar com jornalistas brasileiros:
"Uma boa parte tem boas intenções, a menor parte não. Houve um equívoco da minha parte, peço desculpas. Agora tem muita gente que está de forma ilegal aqui e isso uma questão de política interna deles, não é nossa. Então, gostaria que no Brasil só tivesse estrangeiro legalizado, não de forma ilegal como existe muita gente no Brasil. Me desculpe mais uma vez o equívoco, o ato falho que cometi no dia de ontem".

É um caso a ser estudado. É um evento psicanalítico.

Em primeiro lugar, ele quis dizer o que disse e disse o que quis dizer, sim, tanto é que o fazia no contexto de defesa do muro que Trump quer construir para separar os EUA do México. Ora, por que alguém defenderia uma barreira física? Para isolar pessoas de boas intenções?

Na sequência, o presidente brasileiro ainda perguntou se as pessoas manteriam abertas as portas de sua casa para a entrada de qualquer. Logo… Ademais, a fala repete a notável avaliação de Eduardo Bolsonaro (PSl-SP), deputado federal, que afirmou sentir vergonha de brasileiros ilegais nos EUA.

Insisto que o Bolsonaro deve ser matéria de curiosidade científica. Voltem à sua fala: ele se desculpou por aquilo que chamou de "equívoco" ou de "ato falho". Santo Deus!

O que é um equívoco? Emprega-se, geralmente, a palavra como sinônimo de "erro" — e assim o fez presidente. De verdade, quer dizer ambiguidade, aquilo que tem mais de um sentido, o que desperta suspeitas. Mas, insista-se, Bolsonaro quis dizer "erro". E poderia ter parado por aí.

Mas ele acrescentou também a hipótese do "ato falho". É evidente que ele não sabe o que isso quer dizer. O que é um "ato falho"? No caso da linguagem (porque há outros), é justamente a expressão de termos impróprios, considerados inadequados ao discurso, mas que remetem a algum conteúdo reprimido pelo falante. Em suma, o ato falho, na modalidade "lapsus linguae", traduz a real intenção do falante, que foi, no entanto, silenciada em razão, entre outras coisas, da conveniência social.

Se não entenderam: o ato falho de Bolsonaro não foi cometido na entrevista à Fox News, mas na conversa os jornalistas brasileiros. Ao afirmar que chamou a maioria dos imigrantes de mal intencionados por "ato falho", disse, sem querer, que é isso o que ele realmente pensa.

Mas o "ato falho" não se resume à linguagem. Também pode designar atos ou estar associados a eles. O presidente perguntou se as pessoas abrem a porta da casa àqueles que nem conhecem quando suspendeu a necessidade de vistos para cidadãos de quatro países: EUA, Canadá, Japão e Austrália, embora esses países não tenham feito o mesmo em benefício de cidadãos brasileiros.

Ou por outra: na condição de chefe do Executivo, abre as portas a quem nem conhece, embora, como se vê, considere, então, isso errado. E por que o faz? Parece ser apenas o desenho de servir àqueles que, ainda que não o diga, considera superiores.

É o que chamei de complexo de vira-lata de direita. Já escrevi a respeito. Nada tem a ver com cães. Isso tem a ver com gente mesmo.

A história não conseguiu juntar Freud e Bolsonaro. Que pena!

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.