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Reinaldo Azevedo

GOVERNO E PROPAGANDA 1: Uma frase de Goebbels sobre milhões de cadáveres

Reinaldo Azevedo

28/03/2019 22h03

Haverá uma troca no comando de comunicação do governo. Estima-se que a tarefa ficará a cargo de Fabio Wajngarten, que trabalhou na campanha eleitoral de Jair Bolsonaro. Vai adiantar? Tomara que sim. Wajngarten conhece a área. E deve se lembrar de que um bom produto pode ser destruído facilmente por uma propaganda ruim. Mas o contrário raramente acontece: um produto ruim ser salvo por uma boa propaganda. O indivíduo preocupado com a democracia poderia dizer a esta altura: "Reinaldo, a história está cheia de exemplos de coisas pavorosas que passaram por aceitáveis; o mestre na área foi Goebbels. O regime mais criminoso da história foi aceito pela esmagadora maioria dos alemães e ganhou adeptos no mundo inteiro". Sim, é verdade, mas aí é preciso dizer algumas coisas.

Prestem atenção a esta frase, que parece ser apenas bom senso — se retirada do contexto, é mesmo: "Um bom governo sem propaganda dificilmente se sai melhor do que uma boa propaganda sem um bom governo. Um tem que complementar o outro." Dá para concordar, certo? E, no entanto, foi pronunciada justamente pelo sinistro ministro da propagada de Hitler, num evento de massa havido em Berlim no dia 10 de fevereiro de 1933, 11 dias depois de os nazistas terem chegado ao poder.

Hitler falou aos alemães com ampla transmissão pelas rádios. Goebbels apenas esquentou o público nas praças. Sua fala — há um vídeo com a íntegra neste endereço — tem como alvos os judeus, os comunistas e, claro!, a imprensa, que ele julgava dominada por uns e outros. Num determinado momento do discurso, diz:
"Há alguns anos, não falávamos da boca pra fora quando dizíamos que vocês, judeus, são nossos professores e que só queremos ser seus alunos e aprender com vocês. Além disso, é preciso esclarecer que aquilo que esses senhores conseguiram no terreno da política de propaganda durante os últimos 14 anos foi realmente uma porcaria. Apesar de eles controlarem os meios de comunicação, tudo o que conseguiram fazer foi encobrir os escândalos parlamentares, que eram inúteis para formar uma nova base política".

Não! Não estou comparando Bolsonaro aos nazistas. Além de errado historicamente, seria indecoroso. Também não associo Wajngarten a Goebbels, o que seria adicionalmente ofensivo: aquele que deve assumir a comunicação do governo Bolsonaro é judeu. Não gosto de gente oblíqua e jamais sou oblíquo eu mesmo. Quando quero dizer alguma coisa, digo.

Eu apenas estou lembrando uma situação extrema em que a propaganda foi bem-sucedida no trabalho de mascaramento do horror. É evidente que o nazismo não triunfou por isso. A propaganda goebbelsiana, na verdade, traduzia à perfeição o espírito do regime e lhe fornecia slogans, elementos de crença e motivos de mobilização. Os filmes produzidos sobre as supostas agruras e humilhações a que checos submeteriam os descendentes de alemães nos Sudetos foram um exemplo espetacular de farsa. Eficácia na comunicação não é sinônimo de apuro moral ou ético.
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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.