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Reinaldo Azevedo

Quem é livre, general, pode se prostrar diante da bandeira ou queimá-la

Reinaldo Azevedo

30/03/2019 07h11

General Rego Barros, porta-voz de Bolsonaro: fala sobre bandeira confunde disciplina de quartel com  patriotismo, o que é um erro. É bom revisar esse discurso (Pedro Ladeira/Folhapress)

Informa a Folha. Comento em seguida.

O porta-voz da Presidência da República, general Otávio Rêgo Barros, conclamou nesta sexta-feira (29) a sociedade brasileira a homenagear a bandeira nacional "ao menos uma vez por semana".

"Gostaria muito que toda a sociedade tivesse a disponibilidade e o patriotismo de prostrar-se diante da bandeira ao menos uma vez por semana para caracterizar, por meio desse gesto, o seu apreço à soberania que essa bandeira representa e a importância de nós termos uma sociedade democrática e livre", afirmou Rêgo Barros.

O porta-voz deu a declaração ao ser questionado sobre um vídeo publicado nas redes sociais do presidente Jair Bolsonaro nesta sexta, em que o mandatário participa da cerimônia de hasteamento da bandeira nacional no Palácio da Alvorada.

Comento
Acho que o general Rego Barros anda exagerando quando porta a voz alheia e, como parece ser o caso, quando expressa a própria voz.

Eu mesmo, se fosse seguir a sua orientação, teria de mudar a minha rotina. Teria de me desviar de meus múltiplos afazeres só para reverenciar a bandeira.

Ou, então, posso mandar comprar uma, deixar aqui no escritório e, sei lá, toda terça-feira, "prostrar-me", para usar a sua palavra, em reverência.

A propósito, general, em que sentido o senhor emprega a palavra "prostrar"? Lançar-se ao chão? Humilhar-se? Submeter-se? Curvar-se?

Que povo faz isso?

Quem a tanto não se submeter terá menos apreço pela soberania e por uma sociedade democrática e livre?

A propósito, general: que sociedade democrática e livre o senhor conhece que se "prostra" diante da bandeira ao menos uma vez por semana?

Isso me parece mais coisa da Coreia do Norte do que da Noruega.

O protagonismo dos militares está começando a deixar de ter aquele comedimento que já elogiei aqui. Na véspera do 31 de março, dá para entender por que o golpe, na cabeça de alguns ao menos, deveria ter uma curta duração — coisa na qual só os ingênuos acreditaram — e acabou durando mais de vinte anos.

Parece que militares fora do lugar, daquele "controle civil objetivo", de que fala o conservador Samuel Huntington, autor da predileção de Rego Barros, os vai deixando mal acostumados. E passam a ver a sociedade com um grande quartel.

Eu não quero deixar o general chocado, mas a Suprema Corte dos EUA, país que é referência do novo poder, decidiu que não é crime, por exemplo, queimar a bandeira.

Não defendo nem que se queimem bandeiras nem que as pessoas se prostrem diante delas uma vez por semana.

Não acho que nem uma coisa nem outra fazem necessariamente bons brasileiros.

Eu não seguirei a recomendação do general. E duvido que ele tenha mais apreço do que eu por uma sociedade "democrática e livre".

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.