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Reinaldo Azevedo

BARROSO 1: Inverdade sobre o trânsito em julgado no STF e Justiça das ruas

Reinaldo Azevedo

02/04/2019 05h34

Roberto Barroso: o seu esporte predileto é fazer de conta que a Constituição não existe

Luiz Roberto Barroso, ministro do Supremo, participou de um debate no Estadão. Título de evento: "Lava Jato-Mãos Limpas: As duas maiores operações contra a corrupção já realizadas na história". Nota-se que sobra pouco espaço para o contra-argumento. E, sendo como se noticiou, não parece que os métodos empregados por uma e por outra puderam ser ainda que episodicamente contestados. Mas as pessoas são livres para as suas prosopopeias, certo?

De toda sorte, lá estava Roberto Barroso, ministro do Supremo e toga armada da Lava Jato na Casa. E fez um raciocínio despudorado para quem tem apreço por um tribunal independente, que não se deixa levar pelo calor das ruas. Mas esse é Barroso, e em nada ele me surpreende.

Segundo disse, se o STF tomar decisões que contrariem as expectativas da sociedade, pode perder legitimidade. A afirmação é grave porque, então, uma corte de Justiça deveria ser sempre reverente às maiorias da hora. O ministro se referia, na verdade, à execução da pena — é de prisão que se trata — depois da condenação em segunda instância.

Atenção! Trata-se de uma afronta não só ao Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição como ao Artigo 283 do Código de Processo Penal.
Diz o primeiro:
"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória"
Diz o segundo:
"Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva."

Portanto, o que afronta os códigos legais é a prisão antes do trânsito em julgado.

Informa o Estadão:
"O ministro defendeu já existir decisão definitiva e vinculante no tribunal sobre a prisão de réus após condenação em 2.ª instância".

Bem, se disse isso mesmo, disse uma mentira porque tal decisão não existe. Em 2016, numa votação de repercussão geral, MAS SEM EFEITO VINCULANTE, o tribunal autorizou a execução da pena depois da condenação em segunda instância. Autorizou, mas não impôs. Em abril de 2018, por 6 a 5, o tribunal negou habeas corpus a Lula.

O tema não foi debatido e votado numas das chamadas "Ações de Controle de Constitucionalidade". Portanto, o mérito constitucional não foi votado pelo tribunal, o que deveria acontecer daqui a alguns dias (leia post), mas pode ser adiado. As chamadas Ações de Controle de Constitucionalidade — ADI (Ação Direita de Inconstitucionalidade), ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) e ADC (Ação Declaratória de Constitucionalidade) — é que dão a palavra final sobre o que dispõe, então, a Carta Magna a respeito.

Pois bem! Existe uma ADC, de que é relator o ministro Marco Aurélio, que trata justamente da constitucionalidade do Artigo 283 do Código Penal. Ele segue acima. E diz com todas as letras que, exceção feita a flagrante e prisões preventiva ou temporária, as pessoas só podem ser presas "em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado". Ora, como poderia não ser constitucional o que repete quase literalmente o que vai na Constituição, a saber: "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória".

E o "trânsito em julgado", por óbvio, só se dá depois de esgotadas todas as instâncias.

Se e quando a ADC for julgada, tudo indica que Marco Aurélio acabará sendo voto vencido. E a maioria do tribunal vai mandar o que está explícito na Constituição — UMA CLÁUSULA PÉTREA, QUE NÃO PODE SER MUDADA NEM POR EMENDA — para os ares.

E por que vai fazê-lo?

Continua aqui

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.