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Reinaldo Azevedo

Flávio, o homem-imobiliária: ex-servidores de Bolsonaro com sigilo quebrado

Reinaldo Azevedo

16/05/2019 07h29

Lista de imóveis negociados por Flávio Bolsonaro, que consta do pedido de quebra de sigilos feito pelo Ministério Público, revelado pelo site da revista Veja

Ao explicar que nada o afastaria do filho Carlos, o mais importante líder de oposição ao governo, o presidente Jair Bolsonaro obrigou seu porta-voz, Rêgo Barros, um general da ativa, a lembrar que o rapaz era, na expressão do chefe do Executivo, "sangue do meu sangue". E se entendeu, por óbvio, que isso vale para os demais membros da família que também são políticos. Os destinos estão amarrados. O que acontecer com um atinge a todos. E assim será até com a investigação.

Como se sabe, o juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, determinou a quebra do sigilo fiscal e bancário de Flávio e de mais 85 pessoas e nove empresas. Fazem parte do grupo cinco ex-assessores que também trabalharam no gabinete de Jair Bolsonaro, hoje presidente da República. Integram esse grupo Daniel Medeiros da Silva, Fernando Nascimento Pessoa, Jaci dos Santos, Nelson Alves Rabello e Nathalia Melo de Queiroz — esta última é filha de Fabrício Queiroz, o ex-faz-tudo do senador. Essa coisa de "sangue do meu sangue" marca essa gente.

Em janeiro do ano passado, a Folha já havia informado que Flávio havia negociado nada menos de 19 imóveis na Zona Sul do Rio e Barra. Nesta quarta, o site da revista "Veja" traz detalhes do pedido das quebras de sigilo. A reportagem teve acesso às 87 páginas em que Ministério Público do Rio apresenta suas justificativas. Informa o texto:
Segundo os promotores, entre 2010 e 2017, o então deputado estadual lucrou 3,089 milhões de reais em transações imobiliárias em que há "suspeitas de subfaturamento nas compras e superfaturamento nas vendas". No período, ele investiu 9,425 milhões de reais na compra de dezenove imóveis, entre salas e apartamentos. Faturou mais no mercado imobiliário do que como deputado.

Segundo o MP, há uma constante nas transações desta verdadeira imobiliária na forma de político que é Flávio Bolsonaro: a compra de imóveis muito abaixo do valor de mercado e a sua revenda muito acima. São práticas típicas da lavagem de dinheiro. Ao se realizarem as duas operações, o lavador simula uma origem lícita para ganhos ilícitos.

Informa ainda a Veja:
Os promotores citam casos em que teria havido uma valorização excessiva de imóveis comprados pelo filho Zero Um do presidente Jair Bolsonaro. Em 27 de novembro de 2012, por exemplo, ele adquiriu, por R$ 140 mil, um apartamento na Avenida Prado Junior, em Copacabana, Zona Sul carioca. Quinze meses depois, em fevereiro de 2014, vendeu o imóvel por R$ 550 mil. Lucro: 292%.
De acordo com o MP, de acordo com o índice Fipezap, utilizado no mercado imobiliário, a valorização de imóveis no bairro ficou em 11% neste período. Também em novembro de 2012, Flávio arrematou outro imóvel em Copacabana, na Rua Barata Ribeiro, desta vez por R$ 170 mil. Um ano mais tarde, vendeu por R$ 573 mil. Lucro: 237% – nesses doze meses que separam compra e venda, o índice de valorização na área não passou de 9%
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No caso mais, digamos, volumoso, o agora senador comprou, entre dezembro de 2008 e setembro de 2010, 10 salas comerciais na Barra de Tijuca por R$ 2,662 milhões. E vendeu todas, de baciada, em outubro de 2010 por R$ 3,167 milhões. A compradora foi a MCA Exportação e Participações. Entre as sócias dessa empresa está a Listel S.A., com sede no Panamá, notório paraíso fiscal.

Tamanho sucesso na área imobiliária, suspeita o MP, deriva de lambanças que tinham como protagonista o sumido Fabrício Queiroz, assessor de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio. Os principais depositantes de uma das contas de Queiroz eram funcionários do gabinete do então deputado estadual. Como revela o agora senador, o dito "assessor" foi uma herança que ele recebeu de Jair, o pai, amigo do policial militar aposentado. Dessa mesma conta, saiu um depósito de R$ 24 mil para a conta de Michelle Bolsonaro, hoje primeira-dama.

Para o Ministério Público, além da lavagem de dinheiro, o imbróglio traz indícios dos crimes de peculato — já que os respectivos salários dos servidores, que iam parar na conta de Queiroz, eram pagos pela Alerj — e organização criminosa.

BARRAR A INVESTIGAÇÃO
Paulo Klein, advogado de Fabrício, disse que vai recorrer ao Tribunal de Justiça para tentar barrar a investigação. Ele alega que a quebra do sigilo de 86 pessoas e nove empresas, feitas de uma só vez, "fere o princípio da individualização porque a decisão não diz o porquê da necessidade de violar o sigilo bancário e fiscal de tantas pessoas sem definir minimamente a necessidade em cada caso."

Flávio Bolsonaro, por sua vez, emitiu a seguinte nota:
"Não são verdadeiras as informações vazadas na revista VEJA acerca de meu patrimônio. Continuo sendo vítima de seguidos e constantes vazamentos de informações contidas em processo que está em segredo de justiça. Os valores informados são absolutamente falsos e não chegam nem perto dos valores reais. Sempre declarei todo meu patrimônio à Receita Federal e tudo é compatível com a minha renda. Tenho meu passado limpo e jamais cometi qualquer irregularidade em minha vida. Tudo será provado em momento oportuno dentro do processo legal. Apenas lamento que algumas autoridades do Rio continuem a vazar ilegalmente à imprensa informações sigilosas  querendo conduzir o tema publicamente pela  imprensa e não dentro dos autos."

Os Bolsonaros vão se dedicar às teorias conspiratórias as mais exóticas. O fato é que o país aguarda há mais de um ano uma explicação para o sucesso imobiliário da família. Até agora, nada. Igualmente, espera-se desde dezembro do ano passado que Fabrício e Flávio esclareçam a insólita movimentação financeira no gabinete do então deputado estadual. E o que se tem é apenas desconversa.
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Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.