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Reinaldo Azevedo

Na cabeça oca de Bolsonaro, cabe ao desempregado lamentar evolução do mundo

Reinaldo Azevedo

17/05/2019 08h21

Jair Bolsonaro não tem a mais remota ideia do que quer para o país. Pior: anda a ouvir conversa de alguns supostos liberais que acreditam que devemos conviver com o desemprego, com a miséria e com a pobreza como uma espécie de fatalidade do atual estágio do desenvolvimento técnico. Ocorre que os mais sofisticados não dizem a coisa com essa crueza. Embalam essa sua, digamos, racionalidade fria com a sorte alheia num pacote de especulações sobre os caminhos do capitalismo. E que se danem os homens reais e suas vidas reais. Nesta quinta, em Dallas, o nosso grande pensador fez algumas considerações sobre o desemprego no país. Já volto ao ponto.

O dito "Mito" é um pesadelo que se abateu sobre o país. Sim, ele chegou por intermédio do voto. Isso não quer dizer que devamos tolerar as coisas estúpidas que diz ou ser lenientes ou coniventes com suas agressões à ordem que o elegeu. A ele se juntou uma patota de ditos liberais, sob o comando de Paulo Guedes, que estabeleceu a reforma da Previdência como a pedra filosofal de um novo país. Ela é importante e necessária, por óbvio, mas não pode ser usada como panaceia.

Até porque é bom não esquecer que há uma crença na existência do remédio que cura todos os males do mundo, o que não implica que ele de fato exista. A reforma só ganhou o relevo que ganhou por esperteza dessa turma que tentou usar Bolsonaro como o seu instrumento de transformação. Explico: como o PT atacava a reforma, então se disse: "Vocês a querem? O homem é Bolsonaro". E muitos inocentes caíram no conto do vigário.

Eis o homem! O dólar passou de R$ 4. A Bolsa, que ameaçava romper a barreira dos 100 mil pontos, voltou para 90 mil. O Congresso está conflagrado. Flávio Bolsonaro, o Zero Um, se enrosca em sua própria e controversa biografia, que é a da família, e diz o pai: "Venham para cima de mim".

Era isso o que alguns pesos-pesados da dita elite brasileira, sem querer ser irônico, tinham em mente? Avancemos ao ponto que motivou este post.

Em Dallas, nos EUA, o presidente brasileiro resolveu falar sobre o desemprego. E disse estas palavras formidáveis:

"Se fala em milhões de desempregados? Tem até mais do que isso. O IBGE está errado, tem muito mais do que isso. Agora, em parte, essa população não tem como ter emprego porque o mundo evoluiu. Não estão habilitados a enfrentar um novo mercado de trabalho, a indústria 4G. Como é que você vai empregar esse pessoal? Tenho pena? Tenho. Faço o que for possível, mas não posso fazer milagre, não posso obrigar ninguém a empregar ninguém".

O presidente deve ter querido dizer "indústria 4.0", não "4G". Mas vá lá. Isso é o de menos. Bolsonaro aprendeu mal ou algum mau liberal lhe disse sobre o hiato entre o avanço técnico e a capacitação da mão-de-obra dos trabalhadores brasileiros. Mas este se revelaria numa economia que estivesse crescendo a uns 4% ao ano. A brasileira deve se expandir pouco mais de 1% neste 2019, se é que vai alcançar um número inteiro, com um primeiro trimestre negativo. Se alguém lhe soprou — naquela cabeça oca de conteúdos os mais comezinhos a um presidente da República — que o desemprego é uma fatalidade da evolução do mundo, disse-lhe apenas uma estupidez da alienação.

Ainda que houvesse alguma verdade, cumpre a um líder político ser algo mais do que um gerente do desastre e do desalento. Bolsonaro tem um grande defeito para quem é um homem público. Ele não conhece, como traço psicológico, a empatia, o que o impede, no terreno da moral, de sentir compaixão. Daí que exercite com tanta facilidade a retórica do ódio, prática a que se dedicam com denodo também seus três filhos. Pior do que isso: ele estimula a que outros o façam. E temos, então, essa avalanche de estupidez a que se assiste no país.

Numa coisa, de fato, ele tem razão. As pessoas que padecem os efeitos da falta de emprego e da falta de empregos decentes, que são coisas distintas, formam um exército bem maior do que os números com os quais lidamos mais corriqueiramente. Mas, à diferença do que ele diz, o IBGE os têm devidamente identificados. Os 13,4 milhões de desempregados, que são aquelas pessoas que buscam emprego e não encontram, acabam servindo para esconder um exército bem maior. Os números dizem respeito ao primeiro trimestre.

A elas se juntam 4,8 milhões que estão em situação de desalento. Não integram o primeiro grupo porque já desistiram de buscar uma vaga. Há ainda um outro exército considerável, de 6,8 milhões, que são subocupados. Trabalham menos de 40 horas, mas tentam mais do que isso.

Muito bem. E o grande mestre pensa em fazer alguma coisa? Ele está refletindo. Afirmou:
"Eu digo para todo mundo: não é fácil a vida de ser patrão no Brasil. Está empregado? Também não é fácil. O salário é muito para quem paga, é pouco para quem recebe. A garotada está aí se formando, bota um papel na parede, em parte, digo, em parte, que não serve para nada. Até jornalista, a gente já teve contato no passado com uma colega de vocês, jornalista, que tem o português pior do que o meu. É assim que está sendo formada a nossa juventude no Brasil. Isso tem que mudar."

Não descarto, mas acho pouco provável que exista um jornalista com o português pior do que o do presidente da República. De todo modo, juntem as duas falas e vejam o que sobra. A resposta é esta: nada! Bolsonaro é apenas um homem perplexo, agressivo, que reage a cotoveladas quando confrontado com a realidade.

Ele passou a vida xingando governos, cobrando que fizessem alguma coisa. Agora o governo é ele. Não podendo cobrar de si mesmo, então resolve disparar contras as vítimas — inclusive aquelas que já pagam o preço da incompetência da sua gestão.

O que o presidente da República tem a dizer aos desempregados? Isto: "Que pena! Vocês são vítimas da indústria 4G". Seja lá o que isso signifique.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.