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Reinaldo Azevedo

A prova ilegal e o que disse Gilmar Mendes: ela não é nem pode ser inócua

Reinaldo Azevedo

11/06/2019 16h13

Ministro Gilmar mendes: o que ele afirmou sobre provas colhidas ilegalmente é apenas o óbvio num Estado democrático e de direito

Vamos desfazer a confusão?

Uma fala óbvia do ministro Gilmar Mendes está gerando barulho e não diz aquilo que dizem que ela diz.

Uma prova obtida ilegalmente é nula para todos os efeitos? Aí responde o ministro:
"Não necessariamente. Porque, se amanhã, [um indivíduo] tiver sido alvo de uma condenação, por exemplo, por assassinato, e aí se descobrir, por uma prova ilegal, que ele não é autor do crime, se diz que, em geral, essa prova é válida".

Que dias confusos estes que vivemos, não é mesmo?

O ministro está a dizer o óbvio, o elementar, o escancarado.

Quer dizer, então, que uma prova obtida, ainda que ilegalmente, pode impedir uma injustiça, e o órgão julgador vai deixar que o inocente pague por um crime que não cometeu? Ou ainda: uma prova obtida, mesmo que ilegalmente, desvenda uma trama para enviar alguém à cadeia, tenha tal decisão propósito político ou não, e o tal órgão julgador fica olhando para o céu, como se nada tivesse acontecido?

Tenham paciência!

Vamos ao que diz a Constituição.

Está no Inciso LVI do Artigo 5º:
"São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos".

É evidente que o espírito de tal dispositivo busca impedir que se recorram a práticas ilegais para condenar alguém. Ou estaria aberta a porta do inferno, não é mesmo? Mas, por óbvio, a Constituição não iria estabelecer como princípio que, evidenciada a inocência de alguém ou uma conspiração para acusar um indivíduo, deva o Estado quedar-se inerme, sem nada fazer.

Era só o que faltava, não é mesmo?

Na verdade, duas coisas estão em debate.

AS DUAS QUESTÕES
O que as conversas reveladas pelo site "The Intercept Brasil" revelam?

A menos que as palavras tenham deixado de fazer sentido, ficam claras as articulações de Sergio Moro e Deltan Dallagnol para comprometer Lula. Evidências:
1: juiz passa ao investigador o nome de uma potencial testemunha — o caso, pelo visto, não teve sequência;
2: ministro e procurador combinam previamente que o magistrado vai divulgar um áudio gravado ilegalmente, áudio este que, note-se, está na raiz da retomada das manifestações pró-impeachment;
3: juiz dá pito no procurador, que, supõe-se, poderia condescender com o adiamento do primeiro depoimento presencial de Lula em Curitiba, justamente a… Moro. Dallagnol promete apelar a juiz que cobre as férias de titular do TRF-4 para impedir o adiamento;
4: procurador confessa a juiz que provas contra Lula são frágeis — na verdade, ele não as tem — e que recorreu ao tal PowerPoint para tentar ligar o acusado a desvios de R$ 86 milhões; mais: que a acusação de lavagem de dinheiro tem tal propósito;
5: o juiz elogia o trabalho daquele que, a esta altura, atua como seu subordinado;
6: juiz incentiva procurador a forjar um fato para poder forçar um depoimento.

Então vamos ver. Será que, ao analisar as petições de Lula que estão no Supremo, os senhores ministros podem ignorar os diálogos trazidos à luz pelo "The Intercept Brasil"? A resposta, obviamente, é "não". Afinal, os dados são de conhecimento público e dizem respeito ao público.

E, não é preciso ser muito sagaz para percebê-lo, têm a intenção prévia de lhe criar embaraços na Justiça.

COISA DISTINTA
Coisa distinta, aí sim, seria recorrer às evidências trazidas à luz de um eventual conluio entre Moro e os procuradores — vamos ver o que mais vem por aí — para responsabilizá-los na esfera penal. Nesse caso, cabe evocar o que dispõe a Constituição sobre as provas ilícitas.

Parece-me, aí sim, que os dados devem servir de elementos fáticos — e são elementos fáticos — para que se abra uma investigação, no âmbito da qual, então, as provas teriam de ser produzidas.

Dito de outra maneira: o que é inconteste? Lula ou qualquer outra pessoa que tenham sido prejudicadas por práticas irregulares de juiz e procuradores têm de receber a devida reparação na Justiça, pouco importando se o fato que o justifica veio à luz de forma legal ou ilegal. A responsabilização penal, no entanto, dos envolvidos nas irregularidades não pode estar assentada em provas ilegais.

Isso não impede, diga-se adicionalmente, que os respectivos órgãos de controle, como Conselho Nacional de Justiça ou Conselho Nacional do Ministério Público, tomem providências para punir a conduta irregular.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.