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Reinaldo Azevedo

Marcha reacionária bolsonarista está na vanguarda do atraso na área técnica

Reinaldo Azevedo

18/06/2019 15h39

Reportagem publicada na Folha pela incansável – em busca do fato – Patrícia Campos Mello indica como o bolsonarismo, a despeito do entendimento curto que tem seu líder simbólico máximo sobre quase tudo, estava muito à frente dos adversários no uso das manhas e artimanhas que a tecnologia da informação põe à disposição de quem está disposto a driblar as regras legais. Ainda que o faça, claro!, em nome da lei e da ordem, como é próprio do bolsonarismo. Leiam o que informa Patrícia na Folha. Volto em seguida.
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Durante a campanha eleitoral de 2018, empresas brasileiras contrataram uma agência de marketing na Espanha para fazer, pelo WhatsApp, disparos em massa de mensagens políticas a favor do então candidato a presidente Jair Bolsonaro (PSL).

A informação, que aparece em gravações obtidas pela Folha, é do espanhol Luis Novoa, dono da Enviawhatsapps.

Nos áudios, ele diz que "empresas, açougues, lavadoras de carros e fábricas" brasileiros compraram seu software para mandar mensagens em massa a favor de Bolsonaro, que comentou o caso nesta terça-feira (18).

Além de obter o áudio, a Folha confirmou posteriormente detalhes da conversa.

De acordo com Novoa, ele não sabia que seu software estava sendo usado para campanhas políticas no Brasil e só tomou conhecimento quando o WhatsApp cortou, sob a alegação de mau uso, as linhas telefônicas de sua empresa.

O WhatsApp confirmou à Folha que cortou linhas da empresa. "Não comentamos especificamente sobre contas que foram banidas, mas enviamos uma notificação judicial (Cease and Desist) para a empresa Enviawhatsapps."

Não há indicações de que Bolsonaro ou sua equipe de campanha soubessem que estavam sendo contratados disparos de mensagens a favor do então candidato. Procurada, a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto afirmou que não iria comentar.

Doação de empresas para campanha eleitoral é proibida no Brasil. Doações não declaradas de pessoas físicas também são ilegais.

A empresa de Novoa é especializada no envio automático de mensagens para milhares de números de telefone.

A Folha teve acesso à gravação na qual o espanhol fala sobre a contratação da empresa para disparar mensagens a favor de Bolsonaro. Ela foi realizada durante um encontro de empresários com Novoa, na Espanha. A Folha confirmou as informações citadas na gravação.

"Eles contratavam o software pelo nosso site, fazíamos a instalação e pronto […] Como eram empresas, achamos normal, temos muitas empresas [que fazem marketing comercial por WhatsApp]", afirma o espanhol, na gravação.

"Mas aí começaram a cortar nossas linhas, fomos olhar e nos demos conta de que todas essas contratações, 80%, 90%, estavam fazendo campanha política", completa o empresário espanhol.

Uma outra pessoa, nessa mesma gravação, pergunta a ele: "Era campanha para algum partido?" Novoa então responde: "Eram campanhas para Bolsonaro".

Os cortes de linhas a que ele se refere foram feitos pelo próprio WhatsApp, cujas regras proíbem o uso da plataforma para envio de mensagens em massa.

Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), apenas as campanhas oficiais podem fazer contratação de impulsionamento de conteúdo eleitoral nas redes sociais.

"A contratação do serviço de impulsionamento deve ser realizada exclusivamente por partidos, coligações, candidatos ou seus representantes e diretamente por meio da ferramenta responsável pelo serviço, cujo provedor deve ter sede e foro no Brasil, ou com filial, sucursal, escritório, estabelecimento ou representante legalmente estabelecido no país", segundo lei de outubro de 2017.

Além disso, está proibido o uso de ferramentas de automatização, como os softwares de disparo em massa.

A contratação de empresas estrangeiras para enviar mensagens de WhatsApp evidencia a dificuldade de contabilizar gastos de campanhas efetuados por terceiros em favor de candidatos.

Procurado pela Folha, o empresário espanhol negou que tenha trabalhado para políticos brasileiros.

"É mentira, não trabalhamos com empresas que tenham enviado campanhas políticas no Brasil", afirmou.

(…)

COMENTO
Sim, não há evidências de que a campanha de Bolsonaro tivesse o controle dessas ações. Digamos que não deter o controle formal de algo assim é parte da natureza do jogo, não é mesmo?

Vejam que coisa: o legalismo do tipo que estimula a ilegalidade resolveu proibir a doação de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais. A proposta, contra a qual sempre me bati, veio à esteira do escândalo do petrolão, fortemente influenciada pela Lava Jato. Pois bem: parte considerável de parlamentares — em particular os que se dizem adeptos da tal "nova política" — foi fartamente financiada por capital privado sem que o TSE dispusesse ou venha a dispor de ferramentas para reprimir ilegalidades.

Um caso está aí, às escâncaras. Convenham: ninguém precisou assinar com a campanha de Bolsonaro — e, a rigor, não precisa fazê-lo com a campanha de ninguém — um protocolo se comprometendo a fazer disparos em massa por WhatsApp. No caso, basta fazê-lo. E pronto.

Informa ainda a Folha:
Oito meses depois de o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) abrir uma ação para apurar o impulsionamento de mensagens pelo WhatsApp contra o PT, durante as eleições de 2018, ninguém foi ouvido no processo. A ação, ajuizada pelo PT, foi aberta em outubro, após uma reportagem da Folha noticiar que empresários apoiadores do então candidato e hoje presidente Jair Bolsonaro (PSL) bancaram o disparo de mensagens em massa contra seu adversário na disputa, Fernando Haddad (PT), que acabou derrotado no segundo turno.
(…)

E assim vai continuar.

E o que há de irônico nisso tudo? Se alguém propuser a volta da doação de empresas a campanhas, grupos contrários marcarão manifestações, o ministro Roberto Barroso certamente discursará a respeito, cobrindo a questão com a sua esfuziante toga do moralismo, e o assunto pode morrer.

E assim será em favor da ilegalidade posta à disposição pela tecnologia de informação que o nosso pobre legalismo não consegue alcançar.

Encerro este post notando que esse tipo de crime nem mesmo território tem. Fica nas nuvens.

O bolsonarismo é um caso de marcha de reacionários que, não obstante, constituíram uma vanguarda do atraso na área técnica.

A democracia, como um conjunto de valores, por enquanto, está perdendo de goleada.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.