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Reinaldo Azevedo

Decisão de Gilmar não beneficia Cabral; STF age porque Bretas ignorou Corte

Reinaldo Azevedo

16/08/2019 03h54

Bretas exibe seus dotes jurídicos nas águas, um misto de Supreman com Iemanjá

Informa Ítalo Nogueira na Folha:
O ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), suspendeu nesta quarta-feira (14) uma ação penal contra um réu da Operação Lava Jato do Rio de Janeiro com base na decisão do ministro Dias Toffoli sobre uso de dados detalhados do Coaf (Conselho de Controle das Atividades Financeiras).

É o primeiro processo decorrente da Lava Jato interrompido com base na decisão de Toffoli, tomada no mês passado a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).

Gilmar deu a decisão atendendo a pedido de Lineu Castilho, ex-chefe de gabinete da presidência do DER (Departamento de Estradas de Rodagem), preso na Operação C'est fini acusado de recolher propina para o ex-governador Sérgio Cabral junto a empreiteiras com contrato no órgão estadual.
(…)
Vamos destrinchar a confusão.

1: Em primeiro lugar, a decisão tomada pelo ministro (íntegra aqui), como especifica ofício posterior, atende apenas ao reclamante: Lineu Castilho;

2: o ex-governador Sérgio Cabral não é beneficiado por ela;

3: a suspensão determinada pelo ministro vale até que o Supremo decida a questão sobre o compartilhamento de dados sigilosos de órgãos de controle sem a devida autorização judicial;

4: o recurso só foi parar nas mãos de Gilmar porque o juiz Marcelo Bretas resolveu fazer uma leitura pessoal da decisão de Toffoli, ignorando-a;

5: como se pode ler aqui, a defesa do reclamante havia pedido a suspensão do processo até que houvesse a decisão de mérito do tribunal, conforme liminar concedida por Toffoli;

6: a obrigação do juiz Marcelo Bretas é cumprir, no caso, a decisão do Supremo. Estranhamente, ele escreveu em seu despacho:
"O Tema 990 trata do compartilhamento de dados obtidos pela Receita Federal e não daqueles obtidos pelo Coaf ou por outro órgão";

7: O chamado "Tema 990", leitor, é justamente o que trata da quebra de sigilo praticada por órgãos de controle sem autorização judicial. Então vamos recuperar qual foi a decisão de Toffoli:
– a suspensão do processamento de todos os processos judiciais em andamento, que tramitem no território nacional e versem sobre o Tema 990 da Gestão por Temas da Repercussão Geral;

– a suspensão do processamento de todos os inquéritos e procedimentos de investigação criminal (PICs), atinentes aos Ministérios Públicos Federal e estaduais, em trâmite no território nacional, que foram instaurados à míngua de supervisão do Poder Judiciário e de sua prévia autorização sobre os dados compartilhados pelos órgãos de fiscalização e controle (Fisco, COAF e BACEN), que vão além da identificação dos titulares das operações bancárias e dos montantes globais, consoante decidido pela Corte (v.g.ADIs nsº 2.386, 2.390, 2.397 e 2.859, Plenário, todas de minha relatoria, julg. 24/2/16, DJe 21/10/16)".

8: como se nota acima, claramente, a decisão de Toffoli diz respeito à quebra de sigilo praticado por órgão de controle como Fisco, Coaf e Banco Central. Não dá para saber de onde Bretas tirou a informação de que a decisão se restringia à Receita;

9: a decisão de Gilmar, com efeito, nem deveria existir porque ela nasce do descumprimento, pelo juiz Bretas, de uma liminar concedida por Toffoli;

10: Se Bretas tivesse esperado o julgamento de mérito da questão, cumprindo a decisão do Supremo, a reclamação se fazia desnecessária;

11: não avalio intenções, mas fatos. Bretas não é ingênuo e sabia que o descumprimento de uma decisão do Supremo levaria a defesa do cliente a recorrer ao tribunal com uma Reclamação;

12: fica-se com a impressão de que, deliberadamente, se descumpre uma decisão do STF envolvendo um caso rumoroso para indispor a sociedade e a imprensa com o tribunal;

13: resumo da ópera: quem cumpre a ordem legal acaba sendo tratado como leniente com a corrupção.

Mas é possível combater a corrupção e os criminosos dentro do devido processo legal.

Sim, é a parte mais difícil de entender. O país foi sequestrado pela sanha de justiceiros. Que também cometem crimes. E o resultado é o pior possível.

Como diz o subtítulo do livro "O Espetáculo da Corrupção", do advogado Walfrido Warde, "um sistema corrupto e o modo de combatê-lo estão destruindo o país".

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.