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Reinaldo Azevedo

Alto escalão da Receita desiste de sair e quer resistir a Bolsonaro. Será?

Reinaldo Azevedo

21/08/2019 07h29

As coisas estavam bastante atrapalhadas. Aí pioraram um pouco

Até esta terça, informava-se que seis subsecretários e três coordenadores gerais da Receita Federal pretendiam entregar seus respectivos cargos em sinal de protesto contra as ingerências do presidente Jair Bolsonaro na área. Agora se diz que decidiram ficar também em… sinal de protesto. No caso, como ato de resistência.

É um caso curioso em que se protesta contra o governo fazendo uma coisa ou o seu contrário.

O estopim da crise foi a destituição do número dois do órgão, João Paulo Ramos Fachada, subsecretário-geral. Ele vinha se posicionando contra o que chama de ingerências políticas. Marcos Cintra, secretário especial que comanda a área, não tem a liderança necessária para resolver o imbróglio.

Estes que ficam, mas que queriam sair, pretendem resistir a ordens do governo? Vamos ver.

O rolo é monumental. A Receita foi, sim, tocada pelo espírito do mal. A Lava Jato se imiscuiu num órgão que se profissionalizou em ritmo acelerado desde o governo FHC. E conseguiu resistir à politização na era petista. Mas foi capturada pela força-tarefa. E alguns de seus membros passaram a atuar como braços do que chamo "Partido da Polícia".

Diálogos revelam, por exemplo, que Roberto Leonel, que chefiava a área de inteligência da Receita em Curitiba, trabalhava informalmente para os procuradores — Deltan Dallagnol em particular. Sempre ele! Sergio Moro, como vimos, levou Leonel para chefiar o Coaf, que agora foi transferido para o Banco Central.

Ministros de tribunais superiores tiveram sua vida fiscal escarafunchada fora dos rigores exigidos por lei. É claro que a bagunça não poderia continuar.

Aí Bolsonaro resolveu intervir, mas com uma pauta, vamos dizer, pessoal. E não apenas na Receita. Também a Polícia Federal entrou na mira.

Estamos falando de pressões distintas sobre a Receita. Uma é legítima e tenta fazer com que a órgão não vá além de sua competência. Já o desejo de controle de Bolsonaro é de outra natureza.

O bolsonarismo não sabe o que fazer. Seus porta-vozes estão perdidos. Até anteontem, aplaudiam o trabalho dos investigadores informais, que contribuíam, por exemplo, para difamar ministros do Supremo. Agora, é o próprio chefe que decidiu bater o porrete na mesa. Ele tem suas próprias concepções sobre o trabalho do órgão.

Os braços militantes da Receita, que certamente chegaram a ver em Bolsonaro um aliado, também estão perdidos. O mesmo se diga sobre a Polícia Federal. É como se dissessem: "Mas ele não ia nos dar todo o poder, já que estamos juntos com a Lava Jato, que elegeu o presidente? Sergio Moro, afinal, está no Ministério da Justiça".

Acontece que Bolsonaro incentivava esse ativismo quando ele criava embaraços para o PT, em associação com a Lava Jato. Agora a coisa mudou de figura.

Bolsonaro quer o controle até da delegacia da Receita na Barra da Tijuca.

Informa o Painel:
"O novo subsecretário-geral da Receita, José de Assis Ferraz Neto, disse a colegas que não aceita trocar o comando do órgão no Rio, como demanda o presidente Bolsonaro. Prometeu ainda manter a intenção de investigar autoridades em processo suspenso pelo STF".

Vai desobedecer a uma determinação do Supremo, é isso?

Será que Bolsonaro está preocupado com a reputação de ministros do Supremo? Não! Está buscando preservar a sua própria e a de seus filhos.

A turma deve andar com saudade da liberdade que tinha sob o petismo, não é mesmo?

Não vale reclamar. O dito "Mito" nunca fez profissão de fé na democracia ou na independência de órgãos do Estado.

Nesse particular sentido, cumpre uma promessa de campanha.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.