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Reinaldo Azevedo

Temer no Roda Viva, a tese do golpe, o PT e o Dia da Marmota

Reinaldo Azevedo

17/09/2019 16h56

Presidente Michel Temer no programa Roda Viva: fala sobre golpe precisa de contexto (Reprodução/Roda Viva)

Está gerando barulho a entrevista concedida na noite desta segunda pela ex-presidente Michel Temer ao programa Roda Viva. Afinal, ele atribuiu mesmo o impeachment da presidente Dilma Rousseff a um golpe?

Vamos ver. Referindo-se a uma acusação que os petistas e as esquerdas lhe faziam, e ele próprio a vocalizou, reproduzido a voz de terceiros — "O pessoal dizia 'o Temer é golpista' e que eu teria apoiado o golpe" —, rebateu, então, o que se dizia a seu respeito: "Diferente disso, eu jamais apoiei ou fiz empenho pelo golpe'.

Não me parece que esteja se referindo ao impedimento de Dilma como um golpe. Está afirmando, aspecto em que insistiu em outra oportunidade, que não participou de conspiração para derrubar a então presidente.

Parece-me que essa é uma das ideias fixas das quais as esquerdas e os opositores do governo de Jair Bolsonaro têm de se livrar se quiserem entender de modo adequado e eficiente o que está em curso. Já volto ao ponto. Antes, outras considerações

O ex-presidente também especulou que talvez o impeachment não houvesse acontecido se Lula tivesse se tornado chefe da Casa Civil de Dilma porque o líder petista "tinha bom contato com o Congresso".

Para lembrar: liminar do STF impediu a posse de Lula depois que o ministro Sergio Moro divulgou, de modo ilegal, gravação igualmente ilegal, que sugeria que a nomeação buscava apenas tirá-lo da mira da Polícia Federal.  

Mensagens trocadas entre procuradores, divulgadas pelo site The intercept Brasil, evidenciam que grampos de outras conversas de Lula, meticulosamente omitidos da opinião pública, desmentem que a nomeação tivesse essa intenção. Ou por outra: a Lava Jato e Moro manipularam a Justiça, a imprensa e o conjunto dos brasileiros, o que não surpreende mais. Dito isso, vamos voltar àquele ponto da narrativa histórica em que quase todo mundo emperra.

AGORA FALEMOS DE GOLPE
Direito também é forma. Dado um determinado conteúdo, estabelecem-se limites, então, formais do que é e do que não é ilegal. Dilma caiu por causa das pedaladas? Já devo ter afirmado umas 300 vezes: não! Caiu porque não podia mais contar nem com 171 deputados e 27 senadores — respectivamente, um terço da Câmara e do Senado. Presidente que não tem essa base mínima não governa.

Com 171 deputados, teria impedido que a denúncia prosperasse na Câmara. Com 27 senadores a seu favor, não teria sido condenada. E por que não tinha nem mesmo esse terço? Os petistas precisam ter a honestidade e a humildade intelectual de admitir: porque o governo era um desastre — déficit cavalar; inflação, juros e desemprego nas alturas e recessão. Como se chegou a isso? Não cabe agora. Mas assim estava o país.

E havia a rotina de vazamentos ilegais da Lava Jato que criava embaraços adicionais para reorganizar a base de apoio. E esse é outro ponto que petistas, com raras exceções, fazem questão de não compreender. Já volto a ele.

Dilma pedalou? Pedalou. A Lei 1.079 define o que fez como "crime de responsabilidade". A resposta é "sim". Pedalou muito? Não. Só um pouquinho. Um pouco de crime também é crime? É. Havia base jurídica? Havia. Ela teria caído se tivesse ao menos um terço de cada Casa? Não.

O impeachment, não custa repetir, requer, sim, algo definido como crime na Lei 1.079, mas isso é causa necessária e está longe de ser suficiente. A sua natureza é essencialmente política. Por isso, a decisão cabe, em etapas distintas, a duas Casas políticas: Câmara e Senado.

LULA E BOLSONARO
Em 2005, depois que Duda Mendonça botou a boca no trombone, seria mel na sopa apresentar uma denúncia de impeachment contra Lula. Teria alguma chance de prosperar na Câmara? Inferior a zero.

Lula tinha elementos objetivos para organizar a resistência política, o que faltou a Dilma: a economia crescia, o desemprego estava em queda, a inflação estava baixa, estava em curso um processo de diminuição, ainda que discreta, da desigualdade, e o governo tinha amplo apoio popular. Tanto é verdade que o petista teve uma reeleição consagradora no ano seguinte.

Corolário: com ou sem crime de responsabilidade, ninguém derruba governo que é popular, num momento de bonança econômica.

A tese do golpe é prejudicada porque o crime de responsabilidade existiu, sim; porque o Congresso, que representa a população com mais amplitude do que o Executivo, havia desertado; porque a economia estava em frangalhos e porque a esmagadora maioria da população queria a deposição. Ou por outra: a tese do golpe não tem sustentação nem jurídica nem política.

Bolsonaro já cometeu em quase nove meses de governo mais crimes de responsabilidade do que qualquer outro presidente: de "golden shower" a mandar comemorar golpe de Estado, passando por tentativa de deposição de governante estrangeiro, dá para escolher.

Se a economia degringolar e se ele perder o apoio de dois terços da Câmara e do Senado, cai. E um monte de tiozão golpista sairia gritando: "golpe!".

ESQUECER A TESE
Enquanto o PT operar no modo "houve golpe", estará entendendo mal a história. Até porque, como evidenciam os fatos, o principal elemento de desestabilização da política institucional se chama "Lava Jato". E ele não atinge este ou aquele em particular.

O próprio Temer foi vítima de várias tentativas de deposição. Não caiu porque conservou o apoio necessário na Câmara e no Senado.

O PT não costuma seguir meus conselhos. Se o fizesse, não teria indicado Rodrigo Janot para a PGR e o quarteto Edson Fachin, Luiz Fux, Rosa Weber e Roberto Barroso para o Supremo. Verdade ou mentira? O arquivo está à disposição.

Mais um conselho: esqueçam essa conversa de "golpe". Saiam do Dia da Marmota.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.