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Reinaldo Azevedo

Crime: publicidade ilegal prova que Moro e Bolsonaro se pioram mutuamente

Reinaldo Azevedo

04/10/2019 04h29

Bolsonaro e Moro no lançamento da campanha publicitária ilegal do pacote anticrime (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress)

O que é curioso na relação entre Sergio Moro e Jair Bolsonaro é que um alimenta a falta de pudor do outro. É o que se verifica com a propaganda escancaradamente ilegal em favor do pacote anticrime. Dinheiro público não pode ser queimado em defesa de projeto de lei porque, por óbvio, este traz um conteúdo que agrada apenas a uma parcela da sociedade. A ser assim, os que se opõem às medidas também deveriam contar com recursos do Tesouro para fazer proselitismo.

PC do B, Rede e PSOL recorreram ao Tribunal de Contas da União para suspender a propaganda, que é acintosa aos dois outros Poderes da República. É evidente que se busca constranger o Parlamento. O objetivo, num momento em que balas perdidas acham o corpo de crianças negros com incrível facilidade, aprovar na base do berro a tal excludente de ilicitude.

Sergio Moro propôs alterações nos Artigos 23 e 25 do Código Penal que dão licença para matar. Com sua verve despudorada, disse em defesa da mudança o presidente Jair Bolsonaro no ato de lançamento da campanha publicitária ilegal:
"É doloroso você ver um policial, chefe de família, preso por causa disso. Muitas vezes a gente vê que um policial militar, que é mais conhecido, né, ser alçado para uma função e vem a imprensa dizer que ele tem 20 autos de resistência. Tinha que ter 50! É sinal que ele trabalha, que ele faz sua parte e que ele não morreu. Ou queria que nós providenciássemos empregos para a viúva?"

Policial que tivesse 50 autos de resistência em sua ficha não seria policial, mas matador profissional. É um escândalo que o presidente diga isso em face das pessoas atingidas por bala perdida no Rio. Dezesseis crianças já foram feridas. Cinco morreram.

NÃO ESCONDE
Como se nota, Bolsonaro não esconde a intenção das duas mudanças pretendidas no Código Penal. E Moro, o ídolo da extrema-direita que baba ódio e rancor, coonesta o que é também uma fraude técnica.

A taxa de homicídios está em queda no país. A curva descendente começou em 2018, no governo Temer, e continua neste ano. Não está relacionada a nenhum ato deste governo, é bom que fique claro. Se a mudança pretendida por Moro for aprovada, o risco é que aconteça o contrário: o eventual aumento da violência policial acabará provocando um aumento da violência como um todo.

A taxa de homicídios no Estado de São Paulo está abaixo de 7 por 100 mil habitantes. É a mais baixa do país. E se chegou a ela sem essa excrescência pretendida pelo ministro e pelo presidente.

POPULISMO E AFRONTA AO SUPREMO
A peça publicitária também é populista e intelectualmente desonesta. Foca em familiares de vítimas da violência, como se a excludente de ilicitude fosse resolver a questão. Nesta quinta, no Rio, soldados de dois partidos do crime trocaram tiros a céu aberto na Zona Norte do Rio. Um verdadeiro exército do Complexo do Chapadão resolveu tomar uma área do Complexo da Pedreira. Que resposta têm Moro e Bolsonaro para isso? Nenhuma! Wilson Witzel tem seu modo de tratar as coisas: sua polícia sobrevoa a comunidade com helicópteros e despeja balas.

Os mortos dessa guerra não vão aparecer na propaganda de Moro.

A peça publicitária também vai fazer a defesa da execução da pena depois da condenação em segunda instância. A rigor, esse é um tema que nem deveria ser debatido caso se levasse a sério o que está no Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição, que é cláusula pétrea. "Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Se não é culpado, como vai cumprir pena?

A campanha vai ao ar às vésperas de o Supremo votar duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade que podem declarar constitucional o que é, por óbvio… constitucional!!! O Artigo 283 do Código de Processo Penal define:
"Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva"

Como poderia não ser constitucional o que repete a Constituição?

Com a campanha em favor da excludente de ilicitude, Moro e Bolsonaro querem acuar o Congresso; com a defesa da execução da pena depois da condenação em segunda instância, busca-se intimidar o Supremo.

E, ora vejam, tudo isso será feito com o uso obviamente ilegal de dinheiro público — que, até onde se sabe, anda curto.

Bolsonaro não é o único flagelo que a Lava Jato deixou como herança. Há outro que consegue ser ainda mais deletério do que o tal "Mito": chama-se Sergio Moro.

Juntos, formam a dupla de exterminadores do futuro. E suas respectivas políticas exterminam crianças. Mas só as pobres.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.