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Reinaldo Azevedo

PECs pós-Previdência chegam ao Congresso: propostas boas de um governo ruim

Reinaldo Azevedo

05/11/2019 08h47

O presidente Jair Bolsonaro pode ir ao Senado nesta terça-feira para levar pessoalmente três PECs (Propostas de Emenda à Constituição) que fazem parte do pacote de ações pós-reforma da Previdência para equilibrar as contas públicas. Na quarta-feira, o governo deve enviar à Câmara outra PEC, a da reforma administrativa. O conjunto foi elaborado pela equipe de Paulo Guedes, ministro da Economia. Podem desagradar a este setor ou àquele, passarão certamente por uma longa negociação, mas estão no caminho certo: reduzir gastos.

O busílis é o seguinte: se o presidente Jair Bolsonaro investisse na paz, em vez de apostar na guerra permanente, tudo poderia tramitar com mais celeridade. Não custa lembrar: iniciamos o ano, e os magos do Palácio diziam que a reforma da Previdência estaria concluída em maio. Foi aprovada no mês passado e será promulgada só no próximo dia 19 deste mês.

PEC DO PACTO FEDERATIVO
Uma das PECs que serão enviadas ao Senado trata da redistribuição de recursos entre União, estados e municípios e da chamada desvinculação de receitas. A dita redistribuição tem como alvo principal os royalties do petróleo. Hoje, 70% ficam com a União, e 30% são repartidos entre os outros entes federativos. O objetivo é inverter a equação.

O governo também quer tirar os respectivos carimbos das verbas de saúde e educação. A resistência será grande. A ideia, em princípio, é manter os atuais percentuais, mas somá-los, de modo que municípios, Estados e União possam gastar mais numa área ou na outra a depender da necessidade.

O Artigo 212 da Constituição estabelece que "a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino."

O Artigo 198 prevê que a União invista em saúde no mínimo 15% da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro (Inciso I do Parágrafo 2º). Os Estados estão obrigados a gastar com a área 12% de sua receita, e os municípios, 15%.

Os embates não serão pequenos porque saúde e educação áreas reúnem bancadas muito fortes no Congresso.

A PEC DOS GATILHOS
O governo quer criar um mecanismo para cortar despesas obrigatórias caso esteja em risco o cumprimento de regras fiscais. Como será muito difícil cortar os desembolsos com saúde e educação, pretende-se que União, Estados e municípios tenham flexibilidade para cortar jornada de trabalho e salários de servidores em caso de emergência fiscal. Para Estados e Municípios, o parâmetro é a Lei de Responsabilidade Fiscal. Para a União, o descumprimento da chamada "Regra de Ouro", que proíbe que o governo aumente a sua dívida para pagar gastos correntes.

Haverá resistência, por certo. A reforma da Previdência alterou substancialmente a situação do funcionalismo. Mas as mudanças são maiores para os novos servidores. Nesse caso, afetaria os atuais trabalhadores.

PEC DOS FUNDOS
Estima-se em R$ 280 bilhões o dinheiro de fundos especiais que hoje estão parados, sem destinação. O governo pretende usar parte substancial desse dinheiro para abater um pequeno pedaço da dívida pública, estimada em R$ 5,5 trilhões. Falta um detalhamento desses fundos. Aqueles destinados ao desenvolvimento do Norte, Centro-Oeste e Nordeste e que teriam a saúde e a educação como destino seriam poupados porque se estima que não há como a sua extinção ser aprovada pelo Congresso.

REFORMA ADMINISTRATIVA
Essa PEC começaria a tramitar na Câmara. O governo quer alterar as regras da estabilidade no funcionalismo federal porque avalia que isso implicará um choque de produtividade. Se a coisa for aprovada como está no papel, os servidores, mesmo concursados, passariam por três anos em estágio probatório. Dar-se-ia, então, a contratação por até mais sete sem estabilidade. Só então esta seria garantida. Segundo as regras atuais, a estabilidade se dá depois de três anos de estágio.

O governo pretende acabar também com férias de 60 dias para funcionários do Judiciário, incluindo juízes, e para os membros do Ministério Público. Vem gritaria das grossas por aí. Augusto Aras, procurador-geral da República, já saiu em defesa da sua corporação, alegando que os membros do MP têm uma carga de trabalho desumana. Pois é… O procurador-geral não deve saber como é a coisa nas pedreiras, não é mesmo?

Segundo Aras, "a carga de trabalho de cada membro torna-se até certo ponto desumana até porque seu quadro de pessoal permanece deficitário há muito tempo, forçando substituições ou ausência do MP em locais importantes do imenso território que ele tem de estar presente".

Bem, o doutor que proponha, então, a correção do julga estar errado. Uma coisa parece evidente: o que não está certo são as férias de 60 dias.

CONCLUO
O sentido geral das mudanças está correto. Os senhores parlamentares têm, sim, de agir com muita prudência para que saúde e educação não acabem sendo alvos do subfinanciamento, pior do que aquele que já se experimenta hoje, com os maus serviços conhecidos.

Também há de se estudar uma defesa para que o funcionalismo não vire joguete nas mãos de políticos eleitos, de sorte que a categoria seja usada como cabide de empregos dos vitoriosos da hora.

Será preciso ter muita habilidade para negociar no Congresso. Por óbvio, é aí que mora o perigo. O governo Bolsonaro vive em meio a uma tempestade política provocada pelo próprio presidente ao resolver encaminhar já a sua sucessão. E começou por derrubar o PSL, que é o barracão que o abriga.

Essas coisas estarão a tramitar no Congresso ao mesmo tempo em que o presidente estará empenhado, tudo o mais constante, em criar um novo partido. Hora obviamente errada.

Formou-se um quase consenso em favor da reforma da Previdência, de sorte que o tema se descolou das loucuras do Planalto, sendo conduzida por Rodrigo Maia (DEM-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidentes, respectivamente, da Câmara e do Senado.

Embora a economia ensaie uma discreta melhora, houve uma degeneração da estabilidade política. Não é um mau caminho o que propõe o Ministério da Economia. O problema do governo é enfrentar um adversário poderoso: chama-se Jair Bolsonaro.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.