Saúde e educação: Convém governo não ir com muita sede aos pobres. Cuidado!
O governo estaria disposto, segundo apurou a Folha, a propor, na "PEC dos Gatilhos", uma medida que pode derrubar, e drasticamente, os gastos com saúde e educação. Qual seria o truque?
Os gastos com aposentadoria e pensões das duas áreas, que hoje não integram os cálculos do mínimo constitucional que União, Estados e municípios têm de gastar nas duas áreas, passariam a entrar na conta.
Para lembrar:
O Artigo 212 da Constituição estabelece que "a União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino."
O Artigo 198 prevê que a União invista em saúde no mínimo 15% da receita corrente líquida do respectivo exercício financeiro (Inciso I do Parágrafo 2º). Os Estados estão obrigados a gastar com a área 12% de sua receita, e os municípios, 15%.
Segundo apurou a Folha, a medida está em dois artigos de uma minuta da tal PEC que permite que os entes da federação cortem despesas obrigatórias casos esteja em risco o cumprimento de regras fiscais.
Em outra PEC, a do Pacto Federativo, o governo deve propor que os desembolsos obrigatórios de saúde e educação sejam somados, de sorte que se possa gastar menos ou mais em uma das áreas, desde que compensada pela outra, a depender de cada realidade.
Duvido que a inclusão dos gastos com inativos no mínimo constitucional de gastos passe no Congresso. "Ah, mas assim o país entraria nos trilhos". Bem, é preciso saber se haverá trem para andar neles. Os recursos para o custeio das duas áreas cairiam brutalmente. Os pobres pagariam o pato.
De resto, vamos convir: trata-se de uma mistura de alhos com bugalhos. O gasto previdenciário estaria a fazer sombra na qualidade das escolas, dos hospitais e dos postos de saúde.
"Ah, mas já faz hoje…" É verdade. Mas se trata, nesse caso, de destroçar um serviço que já é ruim.
Todos conhecemos a tese de que, em certas circunstâncias, as coisas pioram bastante antes de melhorar. A reforma de uma casa é uma boa metáfora.
No caso em questão, no entanto, os pobres de agora não serão os mesmos pobres do futuro, que um dia poderão, quem sabe?, se beneficiar das contas arrumadas, assim como moradores se sentem confortados quando a reforma chega ao fim, e a casa está mais bonita e funcional.
Tomara que prevaleça o bom senso. Notem: caso o país zere os gastos com saúde e educação, as contas se resolvem num estalar de dedos. Ou não, né? Aí talvez seja preciso aumentar brutalmente o desembolso com soldados e armas para reprimir a legião de miseráveis.
A proposta é indefensável.
Convém o governo não ir com muita sede aos pobres.