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Reinaldo Azevedo

Cocô como rosa no Senado: Moro lidera tentativa de golpe à Constituição

Reinaldo Azevedo

20/11/2019 07h21

Sergio Moro: o iluminista das trevas volta à carga e comanda afronta ao Supremo com a colaboração de senadores (Foto: Dida Sampaio)

Um grupo de senadores foi a Sérgio Moro, ministro da Justiça — e, pois, a iniciativa deve contar com o apoio do presidente Jair Bolsonaro — para combinar o mais sórdido de todos os golpes na Constituição: tornar sem efeito uma cláusula pétrea por intermédio de projeto de lei. Assim, aquilo que não pode ser mudado nem por emenda — que requer, para ser aprovada, de maioria de três quintos, em duas votações em cada Casa — seria mandado para o lixo por simples projeto de lei.

Como se sabe, o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição define que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Muito bem! No início da noite desta terça, os senadores Simone Tebet (MDB-MS), presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), Antônio Anastasia (PSDB-MG) e Álvaro Dias (Podemos-PR) foram ao Ministério da Justiça para combinar a patranha com Moro. E lá foi arquitetado o golpe na Constituição — consta que com o aval de Davi Alcolumbre (DEM-AP), presidente da Casa. Em sendo verdade, mancha uma trajetória que vinha se mostrando impecável.

Em que consiste tal golpe? Em apresentar um projeto de lei que altera três artigos do Código de Processo Penal. O 283, que motivou as ações recentemente votadas pelo Supremo e que teve declarada a sua constitucionalidade, ganharia nova redação. Ficaria assim: "Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente em decorrência de condenação criminal por órgão colegiado ou em virtude de prisão temporária ou preventiva". Hoje, como se sabe, a prisão decorrente de condenação só pode ser aplicada depois do trânsito em julgado — quando não há mais recurso — segundo dispõe a Constituição.

A ser como querem os golpistas, o Código de Processo Penal mandará prender quem a Constituição ainda não considera culpado. Não sei se entenderam: senadores foram ao ministro da Justiça para, na prática, tramar contra a Carta Magna por intermédio de lei ordinária.

Moro combinou com os senadores uma maneira de tentar amenizar a clara afronta ao Supremo. Ao Artigo 617 do Código de Processo Penal serão acrescentados parágrafos que abrem a possibilidade de o tribunal de segunda instância não executar a pena se houver questão constitucional ou legal relevante ou mesmo chance de anulação. É pura hipocrisia. Se aprovada essa porcaria, isso jamais vai acontecer. Ah, sim: a pena só entraria em vigor depois dos devidos embargos. Quanta generosidade! Assim já é hoje em dia.

Também para tentar disfarçar o chute no traseiro da corte constitucional, os valentes mudariam o Artigo 637 do CPP. E tanto o Recurso Especial, apresentado ao STJ, como o Recurso Extraordinário, apresentado ao Supremo, poderiam ter, em casos excepcionais, efeito suspensivo.

Simone Tebet pretende levar o texto a votação na Comissão de Constituição e Justiça já nesta quarta. Assim, desaparece da pauta outro exotismo que estava em debate no Senado: um projeto de Oriovisto Guimarães (Podemos-PR) que alterava o Artigo 93 da Constituição, que trata da Lei da Magistratura. O senador queria dar um jeito de enfiar ali a execução provisória da pena.

DEBOCHE SEM PRECEDENTES
Trata-se de um deboche sem precedentes. Para ser aprovado, um projeto de lei precisa de maioria simples: metade mais um dos votantes desde que esteja presente a maioria absoluta: metade mais um do total de parlamentares. Ou por outra: bastam 21 votos no Senado e 129 na Câmara.

Segundo a tática dos golpistas, esses números bastariam para tornar sem efeito uma cláusula pétrea da Constituição.

Na Câmara, o deputado Alex Manente (ler post) resolveu transitar por outros caminhos. Ele aceitou retirar uma Proposta de Emenda à Constituição de sua autoria que alterava o conteúdo do Inciso LVII da Constituição, substituindo-a por outra, que mudaria os Artigos 102 e 105, que tratam, respectivamente, das atribuições do Superior Tribunal de Justiça e do STF. Definir-se-ia que o trânsito em julgado se daria depois da segunda instância e que os recursos aos dois tribunais superiores seriam apresentados na forma de ações revisionais.

Tratar-se-ia, igualmente, de um truque. Mas, ao menos, para ser aprovado, precisaria, de três quintos dos votos da Câmara (308) e do Senado (49), em duas votações em cada Casa.

Senadores, em conluio com Sérgio Moro, resolveram golpear a Constituição por maioria simples.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.