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Reinaldo Azevedo

Quatro do TSE legislam sobre assinatura digital, mas Bolsonaro nada ganhará

Reinaldo Azevedo

04/12/2019 07h57

Roberto Barroso, o coruscante, resolveu legislar mais uma vez. Agora no TSE (Foto: STF/Divulgação)

O Tribunal Superior Eleitoral tomou a mais fabulosa decisão sobre o nada de que se tem notícia. E, pior, ainda o fez legislando, o que, como é sabido, não é tarefa sua. E ainda pode gerar um custo fabuloso aos cofres públicos.

O tribunal se reuniu nesta terça para responder a uma consulta feita em dezembro do ano passado pelo deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), a saber: assinaturas para a criação de um novo partido podem ser digitais? Como se nota, nada tinha a ver com a criação do tal "Aliança Pelo Brasil", o partido de propriedade da família Bolsonaro. Mas o assunto ganhou relevância por isso.

Aí perguntarão as leitoras e os leitores: "Reinaldo, afinal de contas, pode ou não pode?"

Apesar de quatro de sete ministros terem dito que "sim", a resposta, acreditem, é "não". Porque existe uma lei que trata do assunto. Como membros do TSE não criam leis, não havia, por óbvio, nada a fazer, como deixou claro o relator da matéria, Og Fernandes. Mas não podemos nunca subestimar a criatividade de alguns de nossos togados. Muito especialmente quando, entre eles, reluz a sempre coruscante figura de Roberto Barroso, o ministro do Supremo que nutre um verdadeiro ódio pelos códigos legais que temos, a começar da Constituição. É que Barroso segue uma seita, composta de um homem só — talvez dois: o "Barrosismo". O outro adepto provável, como sabemos, é Deltan Dallagnol. Barroso é o farol na escuridão que guia o buliçoso procurador. Voltemos.

Segundo o Parágrafo 1º do Artigo 9º da Lei do Partidos, a 9.096, "a prova do apoiamento mínimo de eleitores é feita por meio de suas assinaturas, com menção ao número do respectivo título eleitoral, em listas organizadas para cada zona, sendo a veracidade das respectivas assinaturas e o número dos títulos atestados pelo escrivão eleitoral".

Como resta evidente, nada há sobre assinatura digital. Os leitores poderão objetar: "Ah, mas também nada há que proíba". Indivíduos podem fazer tudo o que a lei não veta já que o conjunto das vedações é finito para uma criatividade infinita. E se fizerem? Ora, arcam com as penas. Os atos oficiais do e perante o Estado, ao contrário, têm de se ater ao que prescreve a lei — ao conjunto finito do que ela afirma.

A lei prevê a assinatura manual porque é esse o modo ali explicitado para que se faça a devida verificação de sua autenticidade. Assim, além de inexistir a estrita prescrição legal para a coleta eletrônica de assinaturas — e criar tal lei é tarefa do Congresso —, também não há instrumentos técnicos e regulamentação para que se possa fazer tal verificação.

Ah, mas quatro ministros resolveram ignorar o texto e os limites da realidade. Acreditem: se vocês não gostam da técnica legislativa dos parlamentares, prestem atenção ao que fazem, muitas vezes, os togados quando se metem a legisladores. Barroso, o coruscante, sempre costeando o impossível, saiu-se com esta magnífica afirmação, segundo leio na Folha:
"Para que não nos comprometamos com o que talvez não possamos entregar, eu acrescentaria à resposta [ao sim que ele próprio deu à assinatura eletrônica]: 'É possível a utilização de assinatura legalmente válida desde que haja prévia regulamentação pelo TSE e desenvolvimento de ferramenta tecnológica para aferir a autenticidade das assinaturas'".

É uma afirmação de vários modos fabulosa. Pela ordem:
1: a menos que Jair Bolsonaro lhe tenha feito alguma encomenda, ele não tinha de entregar nada a não ser o cumprimento da lei, o que não fez;
2: achando que era pouco legislar no mérito, ele se dispõe a legislar também nas consequências: quer regulamentar o fruto do ato legislativo do TSE;
3: como desdobramento das duas outras impropriedades, impõe-se, agora, a necessidade de desenvolver uma ferramenta que, atenção!, terá de chegar aos cartórios eleitorais do país inteiro.

Antes dele, deram voto contra a lei e os fatos os ministros Luís Felipe Salomão, Tarcísio Vieira e Sergio Banhos.

Fernandes, o relator, observou com precisão: além de inexistir lei que tratei do assunto — e tribunais não fazem leis —, "a assinatura eletrônica é onerosa e inacessível para boa parte da população neste momento. É benefício para alguns a custo para todos, sem nenhum ganho para o sistema eleitoral".

Na mosca! E não é onerosa apenas porque, agora, será preciso dotar a Justiça Eleitoral de estrutura para atender aos caprichos legiferantes do quarteto, mas porque a certificação digital de uma assinatura custa dinheiro. Informa a Folha, "as assinaturas digitais agora liberadas pelo TSE se restringem àquelas que são certificadas. A certificação é um procedimento pago, fornecido por empresas, que se baseia no uso de chaves com criptografia para garantir a segurança do registro." Apenas 3,78 milhões de pessoas físicas dispõem da dita-cuja — menos de 3% do eleitorado. Barroso não é do tipo que se deixa intimidar pela realidade.

Mais: todo o procedimento posterior continuaria a ser manual. Lembra a Folha:
"Essas fichas vão para os cartórios eleitorais, que conferem se as assinaturas batem com as de seus registros. As que baterem seguem para os TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) presentes nos Estados. Por fim, são enviadas ao TSE, onde a equipe do Sistema de Apoiamento a Partidos em Formação faz a contagem dos nomes que constam das fichas de papel."

Barroso e os outros três usurparam uma competência dos parlamentares, imporão ao tribunal uma despesa cuja dimensão ignoram e farão tudo isso por nada.

E, ora vejam, nem assim Bolsonaro criará o seu partido a tempo de este poder disputar as eleições municipais de 2020. Como indagaria e responderia o poeta Ascenso Ferreira, fez-se a bagunça toda pra quê? Pra nada!

Meteu-se a mão na lei apenas pelo gosto da intervenção indevida. Acompanharam Fernandes no voto sensato os ministros Edson Fachin e Rosa Weber. Mas venceu o apelo à bagunça.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.