Topo

Reinaldo Azevedo

O erro da professora que não leu direito a Constituição

Reinaldo Azevedo

30/05/2017 06h00


Vera Karam, da Universidade Federal do Paraná: as diretas que ela quer, neste momento, agridem a Constituição democrática (Foto: Antônio More – 4.jul.2016/Gazeta do Povo/Folhapres)

 

Ai da bobinha ou do bobinho conservadores que caírem na conversa de Vera Karam de Chueiri, professora de direito constitucional na Universidade Federal do Paraná e diretora da Faculdade de Direito da instituição. Em entrevista (clique aqui) à Folha desta terça, ela defende eleições diretas caso o presidente Michel Temer venha a perder o mandato, o que espero que não aconteça. Mas digamos que… Será que o papo da professora faz sentido?

Bem, destaco à partida que ela tem a fala fácil, maviosa, até com certa pompa legalista… Ela diz, por exemplo:
"Se a gente começar a ceifar as instituições, aí não tem mais saída institucional. Vamos para a rua, vamos para o braço, vamos sei lá fazer o quê. Eu acredito em saídas constitucionais e institucionais. E a gente tem que construir isso. Seja pela via indireta, seja direta, que eu acho melhor."

Convenham: somos obrigados a concordar com ela. De fato, não faz sentido ceifar as instituições. Mas, então, cabe a pergunta: em caso de queda de Temer, o que seriam as diretas senão um golpe nas… instituições?

Ao ser indagada sobre a sua preferência pelas diretas, diz a doutora:
"O Congresso pode fazer a eleição indireta, do ponto de vista da constitucionalidade. Mas, politicamente falando, a alternativa da eleição direta também está posta. No meu ponto de vista, não é inconstitucional, não é anti-institucional, e eu acho que é melhor. Há mais legitimidade.
É uma decisão democraticamente mais robusta, mais forte, mais adequada. Se o próprio Congresso representa a vontade popular e se ele entende que essa vontade popular pode ser manifestada diretamente, não seria mais adequado e legítimo que assim fosse? A decisão final passa pela compreensão do Congresso".

Não sei se notaram, mas não há um único quesito técnico na resposta. Trata-se apenas de proselitismo. Observem que, com esse argumento, viveríamos em eterna insegurança jurídica. Por isso ou por aquilo, lá estaria a tal "vontade popular" se manifestando. Não sobraria também uma maldita cláusula pétrea.

Sabem o que me deixa especialmente impressionado? O dar de ombros para a Constituição como quem constata que hoje é terça-feira. Vamos lembrar o que diz a Carta a respeito, no Parágrafo 1º do Artigo 81:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.
§ 1º Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

Deveria ser o suficiente, acho eu, mas, pelo visto, não! Alguém perguntará: "Mas não se pode, com efeito, mudar isso na Constituição por intermédio de uma emenda?

A resposta: NÃO!

O Inciso II do Parágrafo 4º do Artigo 60 da Constituição define:
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

Assim, não se pode mudar a periodicidade da eleição no curso do… período! É o que quer dizer esse inciso. E se trata de uma cláusula pétrea.

Que Caetano Veloso, Wagner Mora e "ozartistas" queiram brincar de eleição direta, dizer o quê? Essa gente adora opinar do alto da ignorância. Mas não uma diretora de uma faculdade de direito.

Afinal, como diz a doutora, "Se a gente começar a ceifar as instituições, aí não tem mais saída institucional. Vamos para a rua, vamos para o braço, vamos sei lá fazer o quê".

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.