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Reinaldo Azevedo

Fim do foro especial é uma solução simples, clara e errada para um problema difícil

Reinaldo Azevedo

01/06/2017 06h34

Convém não confundir, leitor amigo, os alhos com os bugalhos. Hoje em dia, é o que mais se faz (Foto: Reprodução)

Convém não confundir, leitor amigo, os alhos com os bugalhos. Hoje em dia, é o que mais se faz (Foto: Reprodução)

O destino, leitor amigo, do incauto que mistura alhos com bugalhos é ficar com os bugalhos, com o que não presta. Confundir a impunidade, real ou suposta, de políticos e autoridades no geral com o foro especial por prerrogativa de função, estupidamente chamado de "foro privilegiado", é uma dessas circunstâncias lamentáveis. Cumpre lembrar aqui o jornalista americano H. L. Mencken: "Para cada problema complexo, há uma resposta que é simples, clara e… errada".

Vamos lá. O ministro Roberto Barroso, do Supremo, mestre numa disciplina muito em voga em hoje em dia, conhecida por "Direito Criativo", resolveu abusar de manobras retóricas e conseguiu fazer chegar à votação, que deve ser iniciada nesta quinta, uma proposta, a sua, que restringe o foro especial, para deputados e senadores, aos crimes cometidos no exercício do mandato. O que há de essencialmente errado aí? A prerrogativa de foro é matéria constitucional — espalhada em vários artigos —, e cabe a parlamentares cuidar do assunto, não a ministros do Supremo.

Se Barroso quer ser deputado ou senador, que renuncie à toga e dispute um mandato. Não se elegeria síndico, suponho. Então que não se comporte como um usurpador.

A tese do ministro é insustentável porque, além de desrespeitar a independência entre os Poderes, é inócua. Digamos que um deputado ou senador passe a ser julgado pela primeira instância. Se condenado, vai para a segunda. Se confirmada a sentença, este poderia até ser preso, segundo recente entendimento do Supremo. Ocorre que a Constituição, no Parágrafo 2º do Artigo 53, define: "Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão."

Depois da condenação transitada em julgado — isto é, de passar pela última instância —, aí a prisão é possível.

Entenderam? Mesmo condenado em segunda instância, o parlamentar irá recorrer a um tribunal superior. E tudo iria parar no… Supremo.

Convenham: Barroso não está preocupado com a eficiência de sua tese. Ele quer é movimentar a galera, jogar para a torcida, fazer embaixadinha, equilibrar a bola nas costas, no pescoço…

O senador Álvaro Dias (PV-PR), certamente tomado pelos miasmas da República de Curitiba, embarcou, infelizmente, no moralismo tosco e apresentou uma emenda extinguindo o foro especial para os parlamentares. Bem, seus pares sentiram cheiro de carne queimada: "Se nós rejeitarmos, seremos massacrados nas ruas e nas redes sociais". Então tiveram uma ideia, que, convenham, faz sentido: que tal cassar o foro especial de todo mundo, preservando-se apenas o dos presidentes dos Três Poderes e do procurador-geral da República? E assim se fez. A proposta foi aprovada ontem no Senado por 69 votos a zero, em segunda votação. Na primeira, 75 a zero.

Se essa estrovenga for aprovada na Câmara, um ministro do Supremo poderá ser processado por um juiz de primeiro grau de Jurupioca do Sul. Já o magistrado de Juripioca do Norte poderá decretar a prisão de um ministro de Estado. Será a hora em que todos os rancores vão aflorar.

Sim, ainda voltarei muitas vezes a este tema. Encerro este comentário lembrando que o STF, apontado como casa da impunidade, aplicou a Marcos Valério uma pena de mais de 40 anos. A Lava Jato, tomada pelos incautos como sinônimo de Justiça, livrou a cara de Joesley e Wesley Batista e de mais uma penca de criminosos da pesada.

Eis aí. O problema da impunidade é complexo. Mas o fim do foro especial é uma solução simples, clara e… errada!

 

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.