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Reinaldo Azevedo

Operação Rainha de Copas no grupo Globo: como distorcer números e influenciar pessoas

Reinaldo Azevedo

05/07/2017 16h52

Quando o jornalismo vira "missão", esquece tudo. Inclusive a lógica e a matemática. E está claro que os profissionais das empresas do Grupo Globo, com as exceções que todos podem perceber, integram hoje a Força Tarefa da Operação Rainha de Copas: "Cortem-lhe a cabeça".

Um texto publicado na versão Online do jornal "O Globo" merece entrar para os anais. E não sair nunca mais de lá. Será estudado, quero crer, no futuro pelos arqueólogos: "Vejam que curioso! Olhem como se faziam as coisas naquele tempo!"

Eu, mais do que ninguém, defendo o direito à análise e à opinião. Mas nem uma nem outra podem estar assentadas na mentira. Ou o que se tem é uma análise falsa e, sim!, uma opinião falsa, que não vale. Você não tem o direito de ter a opinião de que o cérebro fica no traseiro. Porque não fica. Ou de que o intestino se aloja na caixa craniana, ainda que isso, frequentemente, pareça ser verdade.

Vamos submeter um trecho da reportagem ao um vermelho (o que escreve o Globo) e azul: a minha contestação.

No dia em que foi definido o nome do deputado Sérgio Zveiter (PMDB-RJ) para relatar a denúncia contra o presidente Michel Temer, a enquete do GLOBO mostra um aumento dos votos a favor do prosseguimento do caso na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O placar atual é de 17 votos pela aceitação da denúncia e 5 pela rejeição. Outros 10 deputados se dizem indecisos, enquanto a maioria — 34 deputados — ainda não respondeu.
Atenção: vamos ver em que consiste esse aumento. O Globo ouviu 47,7% (32) dos 67 membros da comissão. Desses 32, com efeito, 53,12% se posicionam a favor do prosseguimento do processo. Ocorre que eles representam 25,37% do total. Se o objetivo é este, não sei porque não julgo subjetividades, mas o fato é que o texto cria, logo à partida, a ideia de uma força ou de uma bolha que vai se expandindo. E se dá um jeito de mostrar que isso é tanto mais grave quando se verifica no dia em que se escolhe o relator. Que relação ou correlação existe entre a escolha e o eventual crescimento dos favoráveis à denúncia? Nenhuma que esteja explicitada no texto. É que, quando falta a objetividade, sobra a literatice.

O GLOBO procurou desde quarta-feira passada todos os deputados e até agora 142 anunciaram voto favorável à denúncia em plenário e 57 contra. Ainda faltam, portanto, 200 votos à oposição para obter os 342 necessários para derrotar Temer na Câmara.
Vamos ser claros, né? Houvesse alguma sombra de neutralidade na cobertura dos veículos do conglomerado, e esse estaria diante de uma tentativa legítima de saber como vota cada um. Mas é evidente que, dada a agressividade da cobertura, sobretudo da TV Globo, o que se tem é uma Blitzkrieg. E nem todo mundo tem coragem de aparecer na contramão do Jornal Nacional, certo?

Nesta terça-feira, mais dois deputados da CCJ se manifestaram no sentido de que a acusação contra Temer deve ter prosseguimento e não houve aumento entre os apoiadores do presidente. Dois dos deputados que anunciaram voto a favor da denúncia são de partidos da base aliada. É o caso do deputado Rocha (PSDB-AC). "Votarei pela autorização. Não poderia falar isso antes de ler a petição do MPF, coisa que já fiz e que me convenceu que há elementos suficientes para autorizar", afirmou o tucano, por mensagem de texto.
Está aí demonstrado. Quer aparecer do lado positivo da força nos veículos do conglomerado? Então dê seu voto contra Temer. Se for a favor, você será chamado de "membro da tropa de choque".

O número de deputados que manifestam apoio à denúncia em plenário já supera o dos que há pouco mais de um ano se manifestaram contra o impeachment. São 142 os contra Temer enquanto que 137 votaram pela permanência de Dilma.
De todas as contas, é a mais aloprada. Não faz nenhum sentido. Quer-se ver uma antecipação de resultado onde ela não está. Sendo realmente esses os números, faltam "apenas" 200 deputados para derrubar o presidente. A oposição a Temer soma 136 cadeiras. Se são 142 os que se manifestaram a favor da queda, há apenas SEIS da base aliada que mudaram de lado.

Já são 22 os deputados de partidos da base aliada que afirmam voto em plenário pelo prosseguimento do caso. A maior parte dos dissidentes declarados está no PSDB, onde, até agora, nove parlamentares se posicionaram a favor da denúncia e apenas cinco contrários. A maioria dos tucanos, porém, não se posicionou, com 32 deputados indecisos ou que não responderam. As dissidências da base já são registradas também no PR, PSD, PP, SD, DEM e PV.
Não sei que conta é essa. Os partidos de oposição somam 136 deputados: PT (58), PSB (37), PDT (19), PCdoB (12), PSOL (6) e Rede (4). Se são 142 os que se manifestaram contra Temer, então são 6 os que migraram da base. Ou, vá lá, há um grupo que não é exatamente da base: transita por ali.

A maioria dos votos favoráveis a Temer continua concentrada em seu partido, o PMDB, e no PP. Dos 63 deputados peemedebista, 22 já falam publicamente em salvar o presidente, enquanto que os demais não se posicionaram. No PP, são dez votos declarados contra a denúncia. Nem todos os votos, porém, são consolidados.
Observem o tom: tenta-se transformar o PMDB e o PP no bunker de resistência de Temer. E não é que eles votem contra o prosseguimento da denúncia: eles querem "salvar" o presidente. E, mesmo assim, diz o texto, dados os 10 votos do PP, nem todos são consolidados.

Cada um escreva o que quiser: a verdade inescapável é que são necessários dois terços dos votos da Câmara para que se autorize o STF a examinar a abertura do processo, e se tem apenas 27,6% do necessário, pouco mais de um quarto.
Mas, como se vê, não falta esforço de setores da imprensa para derrubar o presidente.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.