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Reinaldo Azevedo

Patrulha das redes, infelizmente, revigora o populismo. E quem é o pai edipiano de Rodrigo Maia

Reinaldo Azevedo

01/09/2017 08h40

A sabedoria convencional, não sei se tola ou oportunista, quer acreditar que a era da vigilância na Internet pôs em marcha, com efeito, um novo cidadão. Vigilantes, os indivíduos não se deixariam mais enganar pelos políticos, esses seres terríveis, que só estariam por aí para distanciar as pessoas boas de seus verdadeiros desígnios. Será que os grandes verdugos dos homens públicos são mesmo muito diferentes, no dia a dia, dos alvos de seu ódio? Tomo a imprensa como exemplo: os mais furiosos; os que primeiro gritam "cadeia"; os que saem vomitando impropérios espantosos têm um caráter pior do que os objetos de seu ódio. Há até quem tenha no jornalismo nada além de uma segunda profissão, bem mais recente do que a outra, a original, antiquíssima, babilônica. E não pensem que a militância política, de direita ou de esquerda, se confundiria com um convento — talvez um daqueles de Eça de Queirós, antes da conversão…

Ao contrário: esse monitoramento patrulheiro dos políticos não os deixou mais morais, como se vê. Eles só se tornaram mais covardes. Entrego a algum ensaísta com tempo, não é o meu caso, a tarefa de produzir um "paper": o papel das redes sociais e dos smartphones no aggiornamento, na modernização, do populismo. Título: "Populismo Digital: como as modernas tecnologias deram vida nova aos dinossauros".

André Fufuca (PP-MA), presidente interino da Câmara, pode não saber, mas foi um dos inspiradores deste texto. O outro é Rodrigo Maia (DEM-RJ), este em interinidade ainda mais séria: exerce a Presidência da República em razão da viagem à China do titular, Michel Temer. Vamos ver.

Fufuca, coitadinho, foi lançado ao estrelado provisório aos 28 anos. Assista aos vídeos em que ele aparece. Ainda não desenvolveu aquela cara de paisagem que os políticos sabem fazer diante das Câmeras. Ainda há na face sinais de explícita humanidade. Fufuca fica corado. Ele sabe que um dia isso há de passar. Mas sabe que os patrulheiros estão à porta. E lá vem a pergunta inevitável no quebra-queixo, que é aquele momento em que repórteres dos vários veículos enfiam os microfones e gravadores na cara dos políticos. "E se Rodrigo Janot entregar a denúncia contra o presidente Michel Temer? O que o senhor vai fazer?".

Segundo disse, não há segredo. Ele dará andamento, segundo reza o regimento. Fosse uma denúncia por crime de responsabilidade, a primeira decisão, discricionária mesmo, é do presidente da Casa. Pode mandar arquivar ou dar sequência. Mas não é o caso. O libelo acusatório de Janot é de natureza criminal. Nesse caso, o regimento dispõe que a Câmara notificará o acusado e enviará a denúncia para a Comissão de Constituição e Justiça. E de quanto tempo dispõe para isso? Não há previsão. Fufuca sabe, no entanto, que está sob vigilância. Caso o procurador-geral conseguisse entregar o troço, também seria seguir o Regimento esperar a volta do titular.

Ele sabe, no entanto, que há uma espécie de torcida para que dê um escorregão. Querem ouvir dele alguma declaração que o coloque como mero joguete do Executivo.

Decisão polêmica
Fufuca deu uma resposta padrão, para agradar à patrulha, mas, ora vejam!, agiu melhor do que Rodrigo Maia. O titular da Presidência da Câmara, ora como interino da República, tomou uma decisão no mínimo polêmica. Ele se recusou a assinar uma medida que aumenta a tributação sobre um tipo específico de fundos de investimento. A justificativa: como é contra a elevação da carga tributária, então não assina.

Aí não dá. Rodrigo não pode achar que Michel Temer é César — refiro-me a Cesar Maia. Não pode exercer com o presidente da República uma relação edipiana, de modo que, basta que o outro viaje, e lá vai ele tentar "matar o pai", como Édipo fez com Laio.

Um interino não tem vontades. Despacha aquilo que o titular deixou para despachar. Sim, é plenipotenciário enquanto no exercício do cargo, mas não pode fazer de tal condição uma espécie de palanque. Infelizmente, em passado recente, Maia permitiu tal sorte de especulações com seu nome que os jornais chegaram a publicar aquele que seria o seu "ministério".

Desta feita, deixou claro que só assinaria o decreto se o texto evidenciasse que se estaria reduzindo algum imposto. Aquele que, de fato, é presidente da Câmara, faz parecer que o mundo se divide entre os perversos, que gostam de aumentar impostos, e os generosos, que o evitam a todo custo. Mais ainda: anuncia ao mercado político que, fosse ele o titular, a realidade seria outra. Não me parece que seja esse o caminho. Abre-se apenas uma trilha a mais para demonização do governo. E isso num momento em que este vive uma realidade delicada nessa área. A frustração de receita vai superar a expectativa do governo e deve chegar a R$ 38,5 bilhões. Creio que Rodrigo não garanta nem a si mesmo que, fosse o titular, e o caminho seria outro. Até porque, aliado do governo que é, se ele tem a resposta, que a apresente a Temer.

Ontem, o que ele fez foi jogar para a galera. Mais uma vez. Acabou, de novo, cedendo à tentação. Reitero: Freud lembra a Rodrigo que o nome do seu Laio é Cesar, não Michel.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.