Os 10 a 1 do Supremo coonestam pistolagem penal, como a de Funaro-MPF, contra o presidente
Como é? Lúcio Funaro diz que o presidente Michel Temer usou dinheiro de propina para comprar um imóvel? É mesmo? Já chego ao ponto. Antes, considerações relevantes sobre a loucura nossa de cada dia.
Por 10 votos a um, o Supremo cometeu a sandice de enviar à Câmara a segunda denúncia de Rodrigo Janot, então procurador-geral da república, contra o presidente Michel Temer. Por que digo que se trata de uma sandice? Bem, a partir de agora, a nossa corte suprema diz que é possível, sim, afastar um presidente com base numa denúncia que viola a Constituição.
E por que é mesmo que viola? Porque a quase totalidade daquela estrovenga imprestável diz respeito a supostos eventos ocorridos antes de Temer chegar à Presidência. Notem bem: não poderiam integrar a denúncia nem que verdades provadas fossem. Ocorre que parte dessas acusações está sob investigação, e outro tanto nem isso, situando-se na esfera da mera fofoca, do ouvir falar. Observem: o Supremo que manda despachar para a Câmara o documento infame só voltaria a examiná-lo caso dois terços dos deputados votassem em favor da denúncia. Nesse caso, a vaca já teria ido para o brejo, não é mesmo? Mais: imaginem a instabilidade política até chegar a tal ponto.
Quem mesmo deu ao Supremo a prerrogativa de rasgar a Constituição sob o pretexto de preservá-la? Se o STF não tem jurisdição sobre uma denúncia que rasga a Carta, quem tem? Por que diabos, então, a dita-cuja é enviada para o tribunal? Ele agora é contínuo da relação entre a PGR e a Câmara?
Todos sabem o truque dado por Edson Fachin, que nove ministros do Supremo decidiram coonestar. Relembro. A defesa do presidente fez duas petições à corte: 1) suspensão da tramitação da denúncia até que se esclareçam as circunstâncias dos novos crimes cometidos pelos delatores da JBS e por integrantes do MPF; 2) devolução da peça acusatória à PGR para que atenda aos fundamentos do Parágrafo 4º do Artigo 86, que impede que um presidente seja processado por atos estranhos ao mandato.
Fachin fez de conta que a segunda questão era derivada da primeira e negou o pedido. Os demais ministros fingiram que assim são as coisas. E pronto. Um tribunal que não tem coragem de exercer as suas prerrogativas, convenham, perde razão de existir. Muito bom. Agora volto ao começo.
Do que é constituída a denúncia de Janot? De coisas como estas, que lhe disse o tal Funaro, prestem atenção! O depoente afirmou saber "que Michel Temer tem uma série de imóveis adquiridos da incorporação de Yunes; sabe que, por trabalhar no mercado financeiro, a maneira mais fácil de lavar dinheiro é por meio de compras de imóveis".
Viram só? Um vigarista afirma saber que Temer tem uma série de imóveis. E sabe como? Ora, ele (Funaro) trabalha no mercado financeiro, onde é consenso que "a maneira mais fácil de lavar dinheiro é por meio da compra de imóveis". Não é do balacobaco? Acusação: o presidente tem imóveis adquiridos irregularmente. Prova: Funaro trabalha no mercado financeiro.
Mas calma! O tal precisa conferir verossimilhança à sua acusação. E então fala de um andar inteiro de um prédio na Faria Lima que pertence ao presidente — e que está em seu nome, como manda o figurino. Segundo diz, quem lhe contou tudo foi… Eduardo Cunha! Em nota, a assessoria do presidente informa que a propriedade foi adquirida regularmente, apontando as fontes dos recursos usados na compra.
Todos sabemos que Janot estabeleceu uma espécie de concorrência pública entre Funaro e Cunha. Obteria os benefícios da delação quem mais alvejasse o presidente. Funaro ganhou. Como ele não privava da intimidade do agora presidente, suas acusações estão ancoradas em coisas que Cunha lhe teria contado.
Ao aceitar a tramitação de uma denúncia que, de origem, traz o vício da inconstitucionalidade, o Supremo está a coonestar procedimentos dessa natureza. Não se trata mais de delação premiada, mas de pistolagem recompensada. E os pistoleiros estavam nos dois lados do balcão da negociação. Ou será que eu deveria escrever "negócio"?