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Reinaldo Azevedo

Renca: governo cede a lobby reacionário. O que essa gente fez mesmo com Raposa Serra do Sol?

Reinaldo Azevedo

25/09/2017 22h11

Vejam esta foto. Voltarei a ela.

Ele se chama Adauto da Silva, é índio e trabalha num lixão em Boa Vista. Quem o jogou ali foi a boa má-consciência

A coisa mais interessante do "causismo" — essa mania que "ozartista" e as celebridades têm de aderir a causas — é o descompromisso. Assumem uma opinião, saem propagando a dita-cuja por aí, demonizam os que pensam o contrário, posam de especialistas, alguns até vão a Brasília e se encontram com "parlamentares progressistas" e pronto! Qualquer que seja o resultado, missão cumprida! Encomendam outra causa a suas respectivas assessorias de imprensa ou de imagem. As consequências, como diria o célebre conselheiro, vêm depois. Mas aí os bacanas já abraçaram um novo ursinho — o branco e o panda são sempre os mais abraçáveis — para dormir com a consciência tranquila.

Vejam o caso da tal Renca (Reserva Nacional de Cobre e Associados) que esses liminares da ecologia descobriram existir depois que o governo decidiu mudar a legislação que regulava a área por meio de decreto. Nestes tempos, é preciso um cuidado danado com as palavras. A própria linguagem oficial recorreu ao verbo "extinguir" e ao substantivo "extinção", e as bonitas, os bonitos, os patronos de formatura do Projac, as monstras e os monstros sagrados da representação, os apenas monstros, sem histórico de santidade, bem, toda essa gente resolveu arrepiar. De saída, entendeu-se que o governo estava extinguindo uma área… ambiental! Nem se procurou entender por que aquela região chama RENCA. De novo: Reserva Nacional de Cobre e Associados. Nunca foi nem será um santuário ambiental. Trata-se de reserva mineral.

A rigor, o que o decreto fazia era extinguir as regras antigas e definir as novas para a exploração mineral de uma área diminuta. Só. Com efeito, dentro da chamada "Renca", há reservas ambientais e reservas indígenas, que seguiriam intocadas. O texto não autorizava exploração mineral nesses territórios. Ocorre que a grita aqui despertou o berreiro lá fora. E aí as milhares de ONGs se mobilizaram, com sua formidável capacidade de mentir, omitir e influenciar pessoas. O que se afirma é que o Brasil decidiu extinguir uma "reserva" — dando a entender que se trata de "reserva ambiental" — para permitir o garimpo.

Bem, o resumo da ópera é o seguinte: o Planalto recuou, no que fez muito mal, e resolveu que não vai baixar decreto nenhum. Fica tudo como está, e o debate será retomado em outra oportunidade. Pronto! As bonitas, os bonitos, os monstros e as monstras já podem se dedicar a uma nova causa. Ouvi dizer que o Minhocuçu do Anel Dourado corre sério risco de extinção. Onde ele existe? Não sei. Acabei de inventar. Estou em busca de uma causa permanente para essa gente.

Infelizmente, o governo cedeu ao lobby e à quantidade formidável de mentiras que se contaram aqui e lá fora sobre o tal "reserva". Vocês acham o quê? Que esses descolados vão se preocupar com o que vem depois?

Raposa Serra do Sol
Se vocês querem uma medida da irresponsabilidade dessa gente e dessas ONGs que agora vomitam asneiras, façam uma breve pesquisa. Vejam o que aconteceu com a área Raposa Serra do Sol, em Roraima, onde só vivem índios já aculturados. As lavouras de arroz, que tinham uma produção formidável, ocupavam apenas 0,7% da área: 12 mil hectares de um total de 1.678.800. Lula é que havia decidido tornar as terras indígenas contínuas (2005), o que obrigaria a expulsão dos não-índios. Havia famílias de não-indígenas que ali estavam havia mais de 100 anos (clique aqui para ler mais a respeito).

Sim, os arrozeiros se foram. Parte considerável dos índios, que trabalhavam para eles, também tiveram de ir embora. Foram catar lixo em Boa Vista e morar em favelas. Índias caíram na prostituição (leia mais aqui).

Lavoura destruída de arroz. Onde se produziam quase 107 mil toneladas do alimento, agora só se produz fome. Deem os parabéns aos ongueiros e ao Supremo

Atenção! Quando os arrozeiros deixaram a área, eles respondiam por 70% das 152 mil toneladas de arroz produzidas em Roraima — 106.400 toneladas. Não, senhores! De lá não se tira mais um grão. Vejam no alto a foto do índio Adauto da Silva num lixão de Boa Vista. Reproduzo trecho de reportagem da VEJA de 2011:

"Quatro novas favelas brotaram na periferia de Boa Vista, nos últimos dois anos. O surgimento de Monte das Oliveiras, Santa Helena, São Germano e Brigadeiro coincide com a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol. Nesse território de extensão contínua que abarca 7,5% de Roraima, viviam 340 famílias de brancos e mestiços. Em sua maioria, eram constituídas por arrozeiros, pecuaristas e pequenos comerciantes, que respondiam por 6% da economia do estado. Alguns possuíam títulos de terra emitidos havia mais de 100 anos pelo governo federal, de quem tinham comprado suas propriedades. Empregavam índios e compravam as mercadorias produzidas em suas aldeias, como mandioca, frutas, galinhas e porcos."

Miséria, favelização e prostituição. Eis as grandes contribuições, em Roraima, dos "preservacionistas" do STF e das ONGs de proteção aos índios e ao meio ambiente. Estima-se que um número muito maior de índios teve de abandonar a reserva por falta de condições de sobrevivência do que de brancos e mestiços.

Ah, lembro bem da gritaria dos ongueiros em defesa da dita reserva. Perguntem se alguém se ocupou de saber o que veio depois. Que nada! Aí eles tentaram impedir Belo Monte, depois outra área qualquer, até descobrirem que havia um troço chamado "Renca". O governo fez mal em ceder ao lobby do obscurantismo desses iluminados pela própria ignorância.

Ah, sim: por que chamei esses cascateiros de "lobby reacionário"? Porque "reacionário" é tudo o que, ao voltar pra trás, torna pior a vida das pessoas e dos países. É o caso.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.