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Reinaldo Azevedo

Defesa demole ficção de Janot, chama golpe de “golpe” e cita trecho de texto escrito neste blog

Reinaldo Azevedo

04/10/2017 23h22

O advogado Eduardo Carnelós entregou à Câmara a defesa do presidente Michel Temer. Trata-se de uma peça robusta — e não estou a dizer isso porque o documento cita trecho de artigo meu, hehe — do ponto de vista jurídico e que honra, Deus Meu!, a cultura em sentido amplo. A íntegra está aqui. Se você quer saber o que é um texto pedestre, leia a denúncia apresentada por Rodrigo Janot, em que a "inculta & bela", a língua portuguesa, consegue ser inculta, sim, mas nunca bela… Qual é o centro nervoso da defesa? O ex-procurador-geral apresentou mais uma denúncia sem provas. Desta feita, nem mesmo há o fruto bisonho das armadilhas da primeira jornada, com gravações ou flagrantes armados. Chega à Câmara uma peça acusatória ancorada exclusivamente na fala delatores.

Trecho de um artigo meu, publicado no dia 30 de agosto, vejam ali no alto, está reproduzido na defesa, o que me deixa, sim, muito satisfeito. O conteúdo da observação que lá faço aparece logo nas primeiras páginas da defesa e, depois, há a reprodução literal de um trecho do post, às páginas 48 e 49. O que eu escrevi então? Lembro trecho:
"Já está com o ministro Edson Fachin o acordo de delação premiada que Lúcio Funaro fechou com Rodrigo Janot, procurador-geral da República. Como vocês devem se lembrar, Janot abriu uma espécie de concorrência entre o dito 'operador' e o ex-deputado Eduardo Cunha. Quem dissesse a coisa mais interessante — e o interesse único, está claro, era e é, nesse caso, atingir Michel Temer — levaria o prêmio, o galardão. Parece que Funaro venceu essa espécie de licitação, que pode ser tudo, menos moral."

A verdade do que vai acima foi expressa pelo próprio Cunha, em entrevista à mais recente edição da revista Época. A defesa reproduz parte do que afirma o ex-deputado sobre o ex-procurador:
"Topei conversar para mostrar a todos que estou disposto a colaborar e a contar a verdade. Mas só uma criança acreditaria que Janot toparia uma delação comigo. E eu não sou uma criança. O Janot não queria a verdade; só queria me usar para derrubar o Michel Temer. Janot queria que eu colocasse mentiras na delação para derrubar o Michel Temer. (…) O Janot tem ódio de mim. Mas o ódio dele pelo Michel Temer passou a ser maior do que a mim. Então, se eu conseguisse derrubar o Michel Temer, ele aceitava. Mas eu não aceitei mentir. E ele preferiu usar o Lúcio Funaro de cavalo."

Bem, isso explica o fato de as acusações de Funaro serem todas ancoradas em… Cunha.

Tanto na entrevista que concedeu como na defesa, Carnelós não se vexa de chamar as coisas pelo nome. E uma das palavras que faltava consignar, com o devido peso e materialidade era "golpe". Vejo com satisfação a dita-cuja no documento entregue à Câmara nesta quarta. Lê-se sobre Janot:
"Apesar da pressa com que se houve S.Exª, porém, o plano para dar um golpe e destituir o Presidente da República frustrou-se, pois essa Câmara dos Deputados negou autorização para que tivesse seguimento a primeira denúncia apresentada. Porém, à maneira do pistoleiro que, contratado para matar alguém, não aceita a rescisão do trato pelo mandante, porque 'já garrou raiva' da vítima, o ex-Chefe do Ministério Público Federal agiu novamente com pressa, premiou outro delator e lançou nova flecha, cujo primeiro alvo foi a Língua Portuguesa, seguida pelo Direito e pelos próprios Denunciados."

E acrescenta a defesa, lembrando sempre o arqueiro que se orgulhava de seu bambuzal:
"A inicial acusatória constitui mais uma flecha lançada pelo ex-Procurador-Geral da República contra as instituições. Não apenas a Presidência da República, mas igualmente essa Casa de Leis, que a narrativa acusatória retratou como um valhacouto, o que é inadmissível, repugnante e mentiroso."

Noto que há algo de espetacularmente curioso na defesa feita por Carnelós: em casos assim, normalmente, o advogado se vê na contingência de desqualificar o que a acusação — no caso, o Ministério Público Federal — apresenta como indícios consistentes ou que ousa mesmo a chamar de provas.

No caso em questão, isso não foi necessário porque esses elementos estão ausentes da denúncia de Janot. A defesa teve de se dedicar, na verdade, ao desmonte do enredo criado pelo ex-procurador-geral, evidenciando suas falhas até como peça de ficção. Advogados criminalistas, também deve ser o caso de Carnelós, têm especial prazer em demonstrar as fragilidades e inconsistências daquilo que o acusador apresenta como prova. Janot é ruim até como adversário. Ele obriga a defesa a enfrentar uma construção mental, não um trabalho ao menos digno da acusação.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.