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Reinaldo Azevedo

Se Fachin tivesse usado critério de Lewandowski, “JJ&F” não teria conduzido Lava Jato à lama

Reinaldo Azevedo

15/11/2017 08h15

Ricardo Lewandowski: ministro apontou ilegalidades óbvias em acordo de delação. Com esse padrão, Lava Jato não teria sido arrastada para a lama pela holding "JJ&F"

Que coisa impressionante! Bastou que um ministro do STF decidisse cumprir a lei no caso de delações premiadas para gerar um pequeno terremoto no mundo dos mistificadores. E foi o que fez Ricardo Lewandowski. Ele se recusou a homologar a delação do publicitário Renato Pereira, que trabalhou para o PMDB do Rio. A íntegra de sua decisão está aqui.

Pereira relatou oito casos de corrupção, todos devidamente "perdoados" pelo MPF (já chegarei ao ponto), exceção feita a caixa dois na campanha de 2014 ao governo do Rio. O publicitário confessou crimes de evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Sérgio Cabral, Luiz Fernando Pezão e Eduardo Paes foram os seus alvos principais. Lateralmente, há uma acusação contra a senadora Marta Suplicy (PMDB), de São Paulo, o que fez com que o caso fosse mantido no Supremo.

Parte substancial das acusações feitas por Pereira, em investigação que corre em segredo de Justiça, foi publicada pelo jornal O Globo há pouco mais de uma semana, o que irritou os ministros do STF. O evento foi visto como evidência de que a turma de Janot continua em ação e de que Raquel Dodge, procuradora-geral da República, não controla a tropa. Foi uma arreganhada de dentes e uma forma de intimidar Raquel. Nota à margem: quem celebrou esse acordo foi o ex-vice-procurador-geral José Bonifácio, que pertence à velha ordem.

A pressão não funcionou. LewandowskI não se deixou intimidar e o evidenciou de três modos:
a: recusando-se a fazer a homologação e devolvendo os termos para a PGR, para que sejam reformulados;
b: tornando públicos os autos, ainda que a delação não tenha sido homologada;
c: determinando que a Polícia Federal investigue o vazamento.

Fim do sigilo e investigação foram determinados em despacho à parte. Escreveu o ministro:
"Considerando que grande parte do que se contém neste feito, embora tramite em segredo de justiça, foi objeto de "vazamentos" ilícitos, determino que se oficie ao Diretor-Geral da Polícia Federal, Dr. Fernando Segóvia, a fim de que sejam apuradas, no prazo de 60 (sessenta) dias, as condutas em apreço.
Delego ao Juiz de Direito Walter Godoy dos Santos Jr., Magistrado Instrutor deste Gabinete, os poderes previstos no art. 21-A do Regimento Interno deste Supremo Tribunal Federal, para acompanhar a investigação, o que faço, igualmente, com fundamento no art. 3º, III, da Lei 8.038/1990.
Intime-se.
Comunique-se à Procuradora-Geral da República
."

Áreas da PGR, mesmo sob Dodge, fizeram muxoxo. Como é que o ministro se recusa a fazer a homologação, mas dá publicidade às acusações feitas? Ora… Absurdo é o vazamento de uma investigação sob sigilo, não? Pronto! Agora não vaza mais nada. Aplauda-se o ministro por isso.

Agora a homologação
Os tontos ou meros esbirros do MPF, disfarçados de jornalistas, estão a dizer por aí que Lewandowski resolveu tirar o direito que tem o órgão de celebrar acordos de delação. Uma Ova! Isso não aconteceu. De resto, essa turma deveria saber o que diz a lei antes de afirmar bobagens.

O acordo de delação que chegou às mãos de Lewandowski concedia a Pereira nada menos que o perdão judicial por todos os seus crimes, exceção feita àquele de 2014.

Sabemos que, pelas mãos de Edson Fachin, passou coisa muita pior em relação a Joesley Batista. Num único fim de semana, Cármen Lúcia homologou 75 delações de diretores da Odebrecht, lembram-se?  Será que conseguiu ler todas? Vamos ver.

Existe uma lei que trata das delações, a 12.850. Ela é clara, explícita, inequívoca: quem concede perdão judicial ou pode reduzir a pena de prisão em até dois terços é o juiz, não o Ministério Público. É o que vai no Parágrafo 4º da Lei, a saber:
Art. 4o  O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal (…)

Acontece, meus caros, que a mesma lei define que esses benefícios só podem ser concedidos for cumprida ao menos uma das seguintes condições:
I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;
II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;
III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;
IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;
V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

Mais: o MPF decidiu ainda estabelecer a pena e a forma de seu cumprimento para aquele único crime não perdoado — quatro anos de prisão. O primeiro se daria na forma de recolhimento domiciliar noturno. Nos outros três, o publicitário cumpriria 20 horas semanas de trabalho comunitário, podendo viajar Brasil afora e para o exterior, por motivos pessoais ou de trabalho, desde que com autorização do juiz. No caso, negociou-se também o pagamento de uma multa de R$ 1,5 milhão em 18 parcelas, que o ministro considerou baixa.

Lewandowski teve de lembrar o MPF de algo básico: o Artigo 33 do Código Penal e o 387 do Código de Processo Penal definem que cabe ao juiz competente definir a pena. Isso não depende da vontade do acusado e do órgão acusador — no caso, o MPF.

O ministro afirmou, com razão, que validar esses aspectos do acordo corresponderia a conceder ao MPF o direito de legislar. Escreveu:
"Ora, validar tal aspecto do acordo, corresponderia a permitir ao Ministério Público atuar como legislador. Em outras palavras, seria permitir que o órgão acusador pudesse estabelecer, antecipadamente, ao acusado, sanções criminais não previstas em nosso ordenamento jurídico".

Mais ainda: como conceder perdão judicial, fazer dosimetria da pena e ainda inventar formas de cumpri-la se nem processo judicial existe?

E aos muito cabeçudos, que ainda não entenderam o papel do Ministério Público, lembrou o ministro que o órgão pode, no máximo, deixar de oferecer a denúncia, mas jamais negociar o perdão judicial porque não é tarefa sua, mas do Poder Judiciário. Está lá escrito:
"Com efeito, no limite, cabe ao Parquet, tão apenas – e desde que observadas as balizas legais – deixar de oferecer denúncia contra o colaborador, na hipótese de não ser ele o líder da organização criminosa e se for o primeiro a prestar efetiva colaboração, nos termos do que estabelece o § 4° do art. 4° da Lei de regência".

Os imbecis estão vociferando por aí que Lewandowski quer acabar com a Lava Jato. Besteira das grossas! Se Edson Fachin tivesse seguido esses critérios, as respectivas delações de Batistas e amigos jamais teriam sido homologadas, e a Lava Jato não teria sido desmoralizada. Ou não foram Rodrigo Janot e Fachin a fazê-lo? O primeiro negociou o impossível. E o segundo homologou.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.