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Reinaldo Azevedo

Lamento! A prisão de Picciani e de outros 2 é ilegal. Até onde se pode ir para caçar bandidos?

Reinaldo Azevedo

17/11/2017 00h05

Jorge Picciani se entrega à Polícia Federal, no Rio, depois de decretação de prisão preventiva (Jose Lucena/Futura Press/Folhapress)

Escrevi na tarde desta quinta um texto em que aponto os absurdos contidos no pedido de bloqueio de bens de Lula e um de seus filhos. Meu parâmetro? A lei.  Agora vou arrumar outra confusão. E as hostes da vigarice de esquerda e de direita podem babar o seu ódio porque não dependo de sua boa-vontade para trabalhar. Ao decretar a prisão preventiva de três deputados estaduais do Rio — o famigerado Jorge Picciani entre eles —, o Tribunal Regional Federal da Segunda Região resolveu fazer uma, eventualmente duas combinadas, de três coisas:
a: jogar a população contra a Assembleia Legislativa caso esta revise a decisão;
b: jogar a população contra o ministro sorteado do STF caso este cumpra a Constituição e conceda habeas corpus (se a questão chegar lá);
c: jogar a população contra a turma do Supremo se esta referendar eventual habeas corpus.

É o fim da picada! Com o beneplácito de setores da imprensa que só se lembram da lei quando eles próprios são os alvos, há uma verdadeira concertação de forças contra o Estado de Direito sob o pretexto de se combater a corrupção.

Venham cá: vale a pena empregar um artifício, um truque, uma burla legal para prender políticos que são desonestos — ou que assim são considerados? Pois é… A resposta de quem luta por um país decente há de ser "não". Notem que é diferente de prender Al Capone por sonegação, já que não se conseguia fazê-lo por assassinatos e outros crimes. Afinal, ele havia sonegado também.  Alguns detalhes.

Informa a Folha:
"O presidente da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro), o deputado Jorge Picciani, e o deputado Paulo Melo se entregaram nesta quinta-feira (16) à Polícia Federal no Rio de Janeiro. Mais cedo, juízes do Tribunal Regional Federal da Segunda Região, no Rio, decidiram por unanimidade pela prisão imediata dos deputados. Foi expedido mandado de prisão também de Edson Albertassi, que ainda não se entregou. Os três integram a cúpula do PMDB do Rio e são investigados no âmbito da operação Cadeia Velha, desdobramento da Lava Jato que apura favorecimento de empresas de ônibus por parlamentares fluminenses. Picciani chegou às 16h42 na sede da polícia acompanhado do advogado Nelio Machado. Melo, por sua vez, chegou escoltado por policiais federais e sem o seu tradicional bigode. Ele já foi presidente da Alerj e é um dos principais nomes do PMDB no Estado."

Vamos lá. A Constituição, no Artigo 53, só permite a prisão de parlamentar em flagrante de crime inafiançável. Ainda assim, a Casa de origem do dito-cujo pode rever a decisão. A Carta não prevê motivos outros para a preventiva. Ponto.

Por 6 a 5, o Supremo firmou jurisprudência sobre medidas cautelares ao tratar do afastamento do senador Aécio Neves. Permanece a exigência do flagrante de crime inafiançável para o caso de prisão, mas podem ser aplicadas as restrições alternativas à reclusão previstas no Artigo 319 do Código de Processo Penal DESDE QUE OS PARES DO PARLAMENTAR AUTORIZEM.

Muito bem! O que vale para os parlamentares federais no caso da preventiva (só flagrante de crime inafiançável) vale também os estaduais? Sim. É o que garante o Parágrafo 1º do Artigo 27 da Constituição. Transcrevo:
§ 1º Será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando- se-lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas."

Assim, um deputado estadual não pode ter decretada a prisão preventiva sob nenhum pretexto, exceto um.

Assim, um deputado estadual só pode ser preso por flagrante de crime inafiançável.

Assim, um deputado estadual fica, a exemplo dos parlamentares federais, sujeito às medidas cautelares do Artigo 319 do Código de Processo Penal, desde que o plenário da Assembleia aprove a aplicação da restrição.

Bandidos
Atenção! Para que você entenda direito este texto, é fundamental que, para efeitos de raciocínio, você dê como certo que Picciani, Melo e Albertassi são bandidos. Nem quero especular se são ou não. Tome como um dado da equação: bandidos são!

Agora vamos à decisão tomada pelo TRF2:
– para os crimes de corrupção passiva e organização criminosa, de que o trio é acusado, o TRF2 decretou a prisão preventiva;
– para o crime de lavagem de dinheiro, a prisão em flagrante.

Vamos lá!

1: Nenhum desses crimes é inafiançável, como exige a Constituição;
2: o crime de organização criminosa já foi assim considerado (Artigo 7º da Lei 9.034/1995). Essa lei foi revogada. Nada há a respeito no novo texto que trata do assunto: a Lei a 12.850;
3: o mesmo se deu com lavagem de dinheiro: inafiançável antes (Artigo 3º da Lei nº 9.613/1998), não é mais agora (Lei 12.683/2012.)

Assim, ainda que coubesse a preventiva nestes dois crimes — corrupção passiva e organização criminosa —, o trio não poderia estar sujeito a esse tipo de prisão porque se trata de parlamentares. Ainda que lavagem permanecesse como crime inafiançável, alegar flagrante seria um exotismo: a lavagem, para ser caracterizada, tem começo, meio e fim. Só seria possível flagrar uma pessoa lavando dinheiro se ela fosse, sei lá, surpreendida comprando uma lavanderia para esconder a origem ilícita do dinheiro.

Sim, a Assembleia Legislativa do Rio vai se reunir para decidir se referenda ou não a decisão do TRF2. Os três têm lá muitos aliados. É possível que a prisão seja revista — e, no caso, a gritaria estará garantida. Se não for, caberá, sim, recuso ao STF. E, no caso, coitado do relator!  Ou rasga a Constituição e será aplaudido. Ou decide cumpri-la e será esmagado.

De adicionalmente trágico temos o fato de que o dispositivo constitucional que remete à Casa de origem do parlamentar a competência para referendar ou não a prisão foi pensado para o caso em que A PRISÃO É LEGAL.

As decretadas pelo TRF2 são ilegais. Algo de muito errado se passa num país em que uma Casa Legislativa será execrada se corrigir uma ilegalidade da Justiça e aplaudida se decidir referendá-la.

O sistema democrático foi pensado para que, eventual e excepcionalmente, o Judiciário corrigisse ilegalidades do Legislativo, não o contrário.

Isso tudo ajuda a explicar por que, por ora ao menos, a eleição de 2018 seria disputada, em segundo turno, entre Lula e Bolsonaro, não é? Submeter as instituições a isso que vemos, ainda que para caçar e cassar bandidos, só nos aproxima um pouco mais do abismo institucional.

E notem que curioso: o favorito, Lula, tem sido vítima desse ativismo destrambelhado, que mobiliza o povo contra as instituições; o segundo colocado é caudatário desse ativismo.

Setores do Judiciário e do MPF são hoje os grandes cabos eleitorais de Bolsonaro.

"Ah, mas então os bandidos vão continuar impunes pra sempre?" Bem, a PF e o MPF que trabalhem para comprovar seus crimes e que as coisas se façam dentro da lei.

"Ah, dentro da lei, jamais serão punidos…"  Sei! Mas não os chamamos "bandidos" justamente porque descumprem a lei?

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.