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Reinaldo Azevedo

Bolsonaro 3 – Ainda Maria do Rosário e a possibilidade de se tornar inelegível se condenado

Reinaldo Azevedo

20/11/2017 08h37

Bolsonaro, num ato de coragem, empurra a deputada Maria do Rosário. Taí um macho que não teme o comunismo… gaúcho!!!

O caso Maria do Rosário voltou a público na entrevista ao Canal Livre. Bolsonaro continua tentando enganar o distinto público. Já demonstrei isso aqui e o faço de novo. Ele disse não uma, mas duas vezes que não estupraria a deputada porque ela não merecia. Ele é réu no Supremo, sob a acusação de fazer a apologia do estupro. Se for condenado, torna-se inelegível por pelo menos oito anos, além de perder o mandato.

Relembre-se o caso.

No ano de 2003, a detestável — por aquilo que pensa e faz, não por ser mulher ou bonita ou feia — deputada Maria do Rosário (PT-RS) chamou Bolsonaro, que concedia uma entrevista à RedeTV!, de "estuprador!". Uma pessoa que apostasse na civilidade democrática a teria levado ao Conselho de Ética. Não Bolsonaro! Ele preferiu dar outra a resposta, a saber:
"Eu jamais iria estuprar você porque você não merece."
Ela reage como Maria do Rosário:
"Olhe eu que lhe dou uma bofetada!"

O valentão estufa o peito pra cima da adversária, intimidação física do "macho" contra a "fêmea" malcriada e responde:
"Dá, que eu lhe dou outra".
E arremata:
"Vagabunda!".
Desnecessário dizer que, na nossa língua e na nossa cultura, "vagabunda" não é só o feminino de "vagabundo".  A palavra é sinônimo de "prostituta". Se a gente analisar a resposta deste senhor, chegando à sua psicologia, à luz do que sugerem as palavras, não se chegará a um lugar bonito.

Eis o vídeo edificante para quem não conhece. Seus admiradores o idolatram, entre outras razões, por essas demonstrações de valentia:

https://www.youtube.com/watch?v=LD8-b4wvIjc

Onze anos depois, em 9 de dezembro de 2014, Maria do Rosário decidiu deixar o plenário quando ele discursava. A questão, no país do Dia da Marmota, era a mesma de antes: a inimputabilidade dos menores de 18 anos. Quando percebeu que a adversária estava deixando o recinto, ele disparou:
"Não saia, não, Maria do Rosário, fique aí! Há poucos dias, você me chamou de estuprador no Salão Verde, e eu falei que eu não estuprava você porque você não merece. Fique aqui para ouvir"

Ele achou que não tinha sido abjeto o bastante e complementou seu pensamento com uma entrevista ao jornal "Zero Hora". Disse:

"Ela [Maria do Rosário] não merece [ser estuprada] porque ela é muito ruim, porque ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece".

Bolsonaro contou no Canal Livre a lorota de que foi condenado pelo STJ e pode ser condenado pelo STF por aquilo que dissera em 2003. Lá, com efeito, ele reagia de modo estúpido a uma agressão que sofrera. Em 2014, foi ele o agressor: duas vezes. E, lamento por ele, o ataque não foi dirigido apenas a Maria do Rosário, mas a todas as mulheres — especialmente às bonitas, que, então mereceriam ser estupradas. O caso está na Primeira Turma. O relator é o ministro Luiz Fux. O tribunal já recusou a extinção do processo. E a chance de condenação, se querem saber, é grande. Sua defesa alega que ele não pode ser responsabilizado em razão da garantia constitucional.

Defesa impossível
Com efeito, dispõe o caput do Artigo da Constituição:

"Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos."

Jurisprudência já firmada pelo Supremo (clique aqui para ter acesso) deixa claro que essa inviolabilidade não se aplica a casos que não guardam relação com o exercício do mandato. Ou um deputado que tomasse a palavra para defender a pedofilia, o genocídio ou o extermínio de bolsonaristas estaria apenas exercendo uma prerrogativa de seu mandato, certo?

Tanto é essa a jurisprudência do STF que o tribunal abriu, sim, ação penal contra o deputado, que está na Primeira Turma. E já negou pedido de extinção do processo. Transcrevo um trecho:
"Os atos praticados em local distinto escapam à proteção absoluta da imunidade, que abarca apenas manifestações que guardem pertinência, por um nexo de causalidade, com o desempenho das funções do mandato parlamentar. (…) A prerrogativa indisponível da imunidade material — que constitui garantia inerente ao desempenho da função parlamentar (não traduzindo, por isso mesmo, qualquer privilégio de ordem pessoal) — não se estende a palavras, nem a manifestações do congressista, que se revelem estranhas ao exercício, por ele, do mandato legislativo."

Assim, ainda que se pudesse demonstrar que guarda nexo com a função de deputado a opinião de que estupro é merecimento que só às mulheres bonitas assiste, há que se destacar que a primeira fala de 2014, com efeito, foi disparada do plenário, o local por excelência daquela imunidade, mas a segunda não! Bolsonaro falava a um jornal.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.