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Reinaldo Azevedo

Não aceito corrupção nem a pauta autoritária do “Não Aceito Corrupção”

Reinaldo Azevedo

11/12/2017 06h39

Existe um instituto chamado "Não Aceito Corrupção". Reúne alguns nomes que conheço. Não falta diversidade. Lá estão supostos liberais, esquerdistas, alguns mais ou menos e gente de que nunca ouvi falar, mas que deve ser importante… Talvez essa pluralidade seja boa. Talvez não. Acho que não. A diversidade larga é uma virtude na sociedade. Num grupo de pressão que pretende intervir na política, o risco é as pessoas se unirem em torno do que não querem — vale dizer: de uma agenda negativa, já que os quereres e estares não estão sempre a fim do que nelas é delas tão desigual, para mudar a pessoa dos versos de "Quereres", de Caetano Veloso. Esse é outro que não aceita a corrupção, mas canta para o MTST. O MTST é aquele movimento que queima pneus e fecha vias e avenidas em nome da tolerância… Santo Deus! Já volto ao ponto. Agora quero falar do "Não Aceito Corrupção". Que queima fundamentos da democracia de direito. Em nome do combate à corrupção.

Muito bem. No dia em que esse grupo resolver protestar contra os mais de 61 mil assassinatos por ano no Brasil, seu manifesto vai se chamar "Não Aceito Homicídio". Também é possível lançar as correntes "Não Aceito Estupro", "Não Aceito Pedofilia", "Não Aceito Varar Sinal Vermelho", "Não Aceito ser Obrigado a Tomar Chicabon".

Fosse só uma declaração de princípios, seria uma rematada tolice. Afinal, quem aceita corrupção? A rigor, nem os corruptos. É farta a literatura na criminologia, dizem-me estudiosos, dando conta de que boa parte dos criminosos têm como ídolos pessoas que consideram honestas. E muitos deles nem mesmo se reconhecem como indivíduos fora da lei. Mas é evidente que o "Não Aceito Corrupção", financiado por alguns pesos-pesados da economia, tem uma pauta que vai além dessa declaração meio bisonha. Acreditem: Fernandinho Beira-Mar e Marcola também não aceitam corrupção, a exemplo de Bento 16, do Dalai Lama e daquele seu vizinho que leva o Totó pra passear, mas não cata o seu cocô.

Ocorre que isso quer dizer que o "Não Aceito Corrupção" tem uma pauta. E, é inescapável constatar, se a não-aceitação da corrupção passa por aquela agenda, algo está sendo dito pelo avesso: quem dela discorda ou aceita a corrupção — e, por óbvio, trata-se de um raciocínio falacioso — ou, quando menos, não a está combatendo com o vigor que se espera dos decentes.

Ocorre que a pauta do "Não Aceito Corrupção" é ruim. Eu não aceito corrupção, por óbvio, mas também não aceito a pauta do "Não Aceito Corrupção".

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.