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Reinaldo Azevedo

No país em que a Lava-Jato elege Lula, como vaticinei há mais de ano, escândalo mesmo é Mendes cumprir a Constituição

Reinaldo Azevedo

20/12/2017 07h22

Mendes: quem esse ministro pensa que é para seguir a Constituição?

O ministro Gilmar Mendes concedeu liminar, "ad referundum do plenário", a duas ADPFs (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental), que impede a realização de conduções coercitivas de investigados para interrogatório. Uma delas, a 395, foi impetrada pelo PT; a outra, a 444, pela Ordem dos Advogados do Brasil. A quantidade de asneiras que já se disse e já se escreveu a respeito da decisão é uma coisa verdadeiramente fabulosa. E por que tanta bobagem jogada no ventilador, portais, sites, blogs, TVs, rádios, jornais? Quando é a militância a fazê-lo, isso se dá em razão da profissão de fé na ignorância. Quando é o jornalismo, bem, aí a coisa decorre do fato de que os "consultores" dos coleguinhas na área de direito costumam ser os procuradores. E, por óbvio, estes vão mandar as leis às favas e vão apenas defender o seu próprio interesse.

A primeira bobagem cabeluda dita a respeito da decisão de Mendes consiste em afirmar que ela não se justifica porque, afinal, a condução coercitiva está prevista em lei, precisamente no Artigo 260 do Código de Processo Penal, que define:
"Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer outro ato que, sem ele, não possa ser realizado, a autoridade poderá mandar conduzi-lo à sua presença.
Parágrafo único. O mandado conterá, além da ordem de condução, os requisitos mencionados no art. 352, no que Ihe for aplicável
."

"Meu Jesus Cristinho!" É claro que a condução coercitiva está presente em lei. Não estivesse, não poderia ser declarada inconstitucional, total ou parcialmente, por uma ADPF. Ora, para que serve a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental? É justamente um instrumento que questiona a norma que estaria em desacordo com o texto constitucional. Só para que vocês se lembrem: o Artigo 260 é de 1941.Está em vigência desde essa data. A Constituição é de 1988.

Atenção! Quando uma liminar é concedia "ad referendum do plenário", isso quer dizer que ela tem validade até que o pleno do tribunal se manifeste, endossando-a a derrubando-a. Logo, a questão será submetida ao exame dos demais ministros.

A liminar de Mendes não impede a condução coercitiva em qualquer caso. Ele é muito específico: "Defiro a medida liminar para vedar a condução coercitiva de investigados para interrogatório". Ora, é evidente que esse trecho do Artigo 260 do CPP fere a Constituição. Se o investigado tem direito ao silêncio — Inciso LXIII do Artigo 5º da Carta —, não é aceitável que seja levado à força para depor.

Os procuradores, claro!, já estão fazendo a gritaria de sempre. Também alguns juízes. Sabem que a condução coercitiva se transformou na festa da uva. Notem que, ainda que violando o fundamento do direito ao silêncio, a condução coercitiva só é aceitável "se o acusado não atender à intimação". Quando Sérgio Moro determinou a condução coercitiva de Lula, o ex-presidente, por acaso, tinha sido intimado? Resposta: não! Ele não foi o único. Houve 221 outras conduções coercitivas sem intimação prévia.

O ministro rejeitou a tese de que a condução coercitiva fere:
a) o direito à não-autocriminação;
b) o direito ao tempo de preparação da defesa;
c) o direito ao devido processo legal;
d) o direito à imparcialidade e à ampla defesa.

Mas considerou que restam agredidos o direito à liberdade de locomoção e à presunção da não-culpabilidade — vale dizer: a pessoa não pode ser tratada como se sua culpa já tivesse sido firmada.

Os procuradores que andaram a plantar asnices na orelha do jornalismo vêm com a conversa mole, devidamente desmontada por Mendes, de que a condução coercitiva seria uma medida menos gravosa do que a prisão preventiva ou provisória. Mas quem disse que se pode recorrer a uma ou a outra para simples interrogatório? Como lembra o ministro em sua liminar, "A consagração do direito ao silêncio impede a prisão preventiva para interrogatório na medida em que o imputado não é obrigado a falar."

Os fanáticos do lava-jatismo beligerante dirão: "Ah, assim não se investiga mais nada!" Vale dizer: eles acham que a operação só pode existir violando a lei e a Constituição.

De resto, que maravilha, não é mesmo? A Lava Jato veio, aconteceu, ajudou a conduzir o país para uma crise política inédita etc. Não obstante, se a Justiça não tirar Lula do páreo, ele se elege presidente da República pela terceira vez, com a quinta vitória consecutiva do PT.

Sabem como a Lava Jato conseguiu realizar essa proeza? Mandando as leis, a Constituição e o Estado de Direito às favas.

Mendes atua justamente em favor do que poderia ser chamado de "reinstitucionalização" do país. Acreditem! Não saída fora dos marcos da democracia e do estado de direito. Não existem atalhos. Olhem o que está em curso: o MPF decidiu meter todo mundo no mesmo saco de gatos pardos… E, bem, se todos são pardos, Lula evidencia que pode ser mais pardo do que todos…

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.