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Reinaldo Azevedo

Bolsas da Escolinha do Professor Raimundo para pré-candidatos são de uma ilegalidade óbvia; a lei é ruim, mas tem de ser cumprida

Reinaldo Azevedo

05/02/2018 04h42

O tal fundo — e nem sei se existe mais de um — criado por empresários para fornecer bolsas de estudo a candidatos ao Legislativo em 2018 é ilegal. Trata-se de um passa-moleque na decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal, que proibiu a doação de empresas privadas a campanhas. O que se tem aí é uma doação de pessoas jurídicas a um só tempo velada e descarada. Se alguém decidir recorrer contra a prática, quero ver com que cara a Justiça Eleitoral iria ignorar o óbvio. Não só isso: as bolsas já estão em curso, o que caracteriza campanha eleitoral antecipada.

Lamento ter de escrever isso. Sei o quanto me custa defender a ordem legal. Mas as coisas são assim na democracia: as leis, mesmo as ruins, cumprem-se. Quando não mais as suportarmos, então que sejam mudadas.

E, é claro, precisamos ficar atentos aos momentos particularmente infelizes em que autoridades atuam para piorar o aparato institucional. E muito mais há a lamentar quando essa mudança é feita ao arrepio da Constituição. É o caso da proibição do financiamento de campanha por empresas.

Em votação iniciada em 2015 e concluída em 2016, o Supremo proibiu, por 8 votos a 3, a doação de pessoas jurídicas a candidatos. Foi a OAB que recorreu ao tribunal com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. O relator foi o ministro Luiz Fux, que, para não variar, atendeu a um pleito da ordem. Roberto Barroso foi o grande prosélito da causa. Na verdade, a ação que chegou ao tribunal foi redigida por ele quando era ainda apenas advogado. O doutor atuou no caso para a OAB e depois votou com entusiasmo no texto de sua própria autoria. O rapaz é do tipo que se excita intelectualmente com a sua própria imaginação criativa na área do direito.

Votaram contra a proibição apenas os ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello e Teori Zavascki (este ainda em 2015). Os outros todos entenderam que o financiamento privado agredia o principio da igualdade, previsto na Constituição, o que é uma patacoada sem tamanho: além de Fux e Barroso, saíram-se com essa Joaquim Barbosa (que ainda estava no tribunal quando a votação começou), Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e Cármen Lúcia.

A proibição se deu em meio à histeria contra a política e os políticos provocada pela Lava Jato. Investiu-se na falácia de que a corrupção no Brasil deriva do financiamento privado, o que é conversa mole. Assim, se alguém ainda não percebeu, considero a decisão do Supremo absurda. É uma das vezes em que o tribunal decidiu legislar. Não há uma virgula na Carta que leve a essa conclusão. Convenham: o argumento da igualdade de oportunidades pode ser pau para toda obra, não? Quando se permite que os candidatos usem os próprios recursos na campanha, não há uma evidente desigualdade entre os ricos e os pobres? Ora…

Assim, a lei, na forma como está, é uma porcaria. Não gosto dela.

Mas venham cá: esses institutos que estão fornecendo as tais "bolsas" não praticam uma forma de financiamento privado? E ouso dizer que é do pior tipo porque tenta parecer outra coisa. Se o fundamento da igualdade de oportunidades levou oito ministros a fazer a asneira, pergunto: as bolsas não são um elemento a desigualar as tais oportunidades? Afinal, para que a pessoa possa ter a bolsa e se candidatar, ela precisa antes ser eleita por meia-dúzia de endinheirados.

Pergunto: se alguma empreiteira resolver criar uma fundação que sustente a Escolinha do Professor Raimundo do Bom Candidato, estará incidindo em alguma ilegalidade?

Avancemos um pouco mais: esses candidatos estarão espalhados em todos os partidos. O que se exige deles é que comunguem dos valores do tais "institutos", que, claro!, só pensam no bem, no belo e no justo. Partidos, especialmente os menores, vão aceitar de bom grado esses candidatos porque, afinal, eles já chegam com a grana. Assim, há aí uma forma velada de comprar nacos de partidos políticos. É claro que esses compradores de agora são limpinhos e concedem entrevistas com ar angelical. Sem trocadilhos, deixo claro.

Eu não estaria aqui a escrever uma vírgula contra essa forma de financiamento de campanha se o Supremo não tivesse feito a besteira que fez. Se fez — e enquanto estiver em vigência a decisão estúpida que tomou —, que se respeite a decisão da Corte, sem subterfúgios.

Esses que andam por aí a financiar candidatos — "em nome do bem, é claro! —, certamente apoiaram a inconstitucionalidade patrocinada pela OAB e endossada pelo STF. Afinal, todos eles são adeptos e admiradores da tal "nova política", e o financiamento de empresas era coisa da velha. Quando a Constituição foi violada pelo Supremo, bateram palmas. Depois inventaram uma maneira, vejam que graça!, de violar a decisão que aplaudiram.

Na nova política, o dinheiro das empresas é usado, por intermédio de ONG, instituto ou que diabo seja, para financiar os servos voluntários dessa outra ordem, seja lá o que isso queira dizer. Afinal, não dá para saber o que pensa essa gente porque suas entrevistas se limitam a palavras genéricas e pastosas em favor do bem! A propósito: quando esse candidato se apresentar, vai dizer que recebeu a bolsa do "Instituto X", ou o eleitor vai ser convidado a votar no escuro?

Os políticos, claro!, são, em parte, culpados. Poderiam ter votado uma emenda resgatando o financiamento privado. Mas ficaram com medo da patrulha da imprensa — que, com raras exceções, se cala sobre a burla em curso.

Concluo: a proibição da doação de empresas a campanhas vai fazer com que a eleição de 2018 se financie no mundo das sombras: caixa dois e dinheiro do crime organizado. O narcotráfico vai deitar e rolar. E, como se nota, haverá também tráfico de ideias supostamente do bem. Se haverá toma-lá-dá-cá? Bem, o tempo vai dizer. Até porque já está em curso, não?  "Toma cá este dinheiro e dá lá estas ideias…

 "Ah, Reinaldo, você vai acabar sendo o único liberal no Brasil com essa conversa de respeito às leis!"

Não tem problema. Se preciso, fico como um sobrevivente do desastre mental havido no país, a dialogar com a "Wilson", para lembrar o filme "O Náufrago", em que a personagem Chuck Noland, representada por Tom Hanks, em absoluta solidão, conversa com uma bola de vôlei da marca Wilson. Na democracia, defendo a ordem legal, com ou sem companhia.

PS: Adoraria ver essa questão das bolsas chegar ao TSE, sob a presidência de Luiz Fux, que foi o relator da proibição da doação de campanha. Quero ver o seu triplo salto carpado argumentativo para justificar a legalidade daquilo que ele mesmo resolveu proibir. Até porque tenho a certeza de  que o doutor não vai querer ficar de mal desses ricaços limpinhos.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.