Topo

Reinaldo Azevedo

Jungmann diz o óbvio, e alguns, ora vejam! ficam chocadinhos: quem fuma maconha ajuda a financiar a violência. Qual é o erro?

Reinaldo Azevedo

27/02/2018 16h56

O novo ministro da Segurança Pública resolveu dizer algo extremamente ofensivo para certos nichos do pensamento politicamente correto e também para a esmagadora maioria da imprensa, majoritariamente favorável à descriminação das drogas. Sim, Raul Jungmann vai apanhar bastante, até porque ele está chamando à responsabilidade muitos dos que vão atacá-lo. Pergunta: quem alimenta o tráfico de drogas? Resposta óbvia: quem consome drogas. Não se trata de uma acusação, mas de uma constatação econômica.

Mais a demanda faz a oferta do que a oferta, demanda. Se existe alguém procurando uma determinada mercadoria, aparecerão fatalmente produtor e vendedor da dita-cuja. Será que tudo aquilo que determinados nichos demandam deve ter a oferta correspondente, legalizada e regulada pelo Estado? Resposta óbvia: não! Há demandadores de pedofilia, por exemplo. Não estou comparando a questão ao consumo de drogas. Apenas destaco que há quereres que não podem ser atendidos.

Sim, alguém que fizesse do pragmatismo economicista seu último, ou único, Deus poderia indagar: desde que as criancinhas estejam protegidas, por que não se podem comercializar artigos de consumo para pedófilos? Uma resposta possível seria esta: porque certamente a cultura da pedofilia acabaria levando a um aumento das práticas pedófilas. Mas eu prefiro uma outra: porque as sociedades, em qualquer lugar e tempo, são dotadas de moralidades médias que estabelecem uma faixa dos comportamentos aceitáveis, relegando outros às zonas de sombra. Ou é assim, ou se tem a desordem.

É o caso do consumo de droga. A expressiva maioria dos brasileiros (66%, segundo pesquisa Datafolha de 29 de dezembro do ano passado) segue sendo contrária à descriminação. E, entre os mais pobres, a repulsa é maior. A razão é simples: são eles as vítimas do narcotráfico. Não só os consumidores têm, sim, sua cota de responsabilidade como cumpre destacar que os consumidores de sustâncias ilícitas formam uma extrema minoria. Segundo essa mesma pesquisa, 80% nunca consumiram a droga; 14% dizem tê-la usado uma vez e pararam. Só 5% são consumidores contumazes. Esse percentual certamente cai brutalmente para as drogas mais pesadas.

Entenderam o ponto? Quando um ministro como Roberto Barroso, do Supremo, desanda a fazer proselitismo em favor da legalização de todas as drogas, ele está sendo porta-voz de uma extrema minoria. Bem, é claro que a maioria poderia estar errada. Ocorre que não está. De resto, considerem-se duas coisas:
a: descriminação apenas da maconha seria irrelevante para o crime organizado, que continuaria organizado e violento, monopolizando as outras drogas. Segundo leis de mercado, estas baixariam de qualidade e de preço — com o acréscimo de substâncias barateadoras e ainda mais nocivas à saúde — para, por via do aumento do consumo, compensar a perda de caixa;
b: é uma suposição estúpida, e Barroso está nessa, a ideia de que a legalização de todas as drogas faria o traficante buscar um emprego honesto. Ele migraria para outros crimes.

Em qualquer caso, ter-se-ia um aumento da criminalidade — como aumentou em países que passaram a ser mais permissivos na área, a exemplo de Uruguai e Portugal, ambos com baixos índices de criminalidade ainda hoje — com as consequências certamente devastadores que haveria no campo da saúde. Drogas lícitas, por definição e por óbvio, são mais consumidas.

Resta, claro!, a questão: "Mas consumir ou não se insere no terreno das escolhas individuais, Reinaldo!" É verdade. Só que a droga não cai do céu. Ela pertence ao universo das relações sociais. E as sociedades regulam o aceitável e o inaceitável segundo mecanismos de decisão, que podem ser autoritários ou democráticos. A larga maioria, no Brasil, escolheu manter determinadas drogas na ilegalidade.

É claro que Jungmann vai tomar muitas pancadas. Em especial dos consumidores de grife. Gregório Duvivier, por exemplo, está convicto de que os corruptos de direita — ele se ocupa pouco dos corruptos de esquerda — estão na raiz dos males do Brasil. Ele, um propagandista do consumo de maconha, deve achar que sua responsabilidade pessoal começa quando acende o cigarro de maconha e termina quando apaga a "ponta". Afinal, se o troço não é legal, a culpa não é sua, certo? Por ele, seria. Como não é, ele age como se fosse. Ocorre que, ao tomar essa última decisão, ele passa a ser um elo na corrente que mata crianças, que provoca chuva de balas perdidas, que faz do país a terra de ninguém.

"Ah, Reinaldo está dizendo que o consumidor de maconha é o responsável pelo desastre na administração pública do Rio"? Não! Reinaldo não está dizendo isso. Reinaldo está dizendo que você até pode dar a sua cota de contribuição para um Rio melhor espancando todo dia o boneco de Sérgio Cabral. Isso evidencia a sua adesão, digamos, espiritual a um mundo melhor. Ocorre que, ao acender um cigarro de maconha, você adere, na prática, ao mundo pior. A responsabilidade pelos desastres no Rio é de um monte de gente e de circunstâncias. Ao acender a bagana, o indivíduo dá sua cota pessoal à barbárie.

De resto, sinto certa vergonha de argumentadores que citam o caso de Portugal como exemplo, ainda que virtuoso fosse. Por quê? A parte continental do país, com o mar a oeste e ao sul, tem uma costa de 1.230 km apenas; ao norte e ao leste, um único vizinho: a Espanha. Banânia tem 7.367 km se desconsideradas as saliências e reentrâncias e 9.230 km se elas forem levadas em conta. Faz fronteira com nove países. Quatro deles são produtores de coca: Colômbia, Venezuela, Peru e Bolívia. O Paraguai é um grande exportador de maconha. E estamos a falar de mais de 8 milhões de quilômetros quadrados de território.

Imaginem um país com essas características decidir pela legalização de todas as drogas, à revelia dos vizinhos, como quer Barroso.

Bem, dizer o quê? Duas coisas:
– trata-se de uma fala irresponsável delirante, de quem refletiu pouco sobre o assunto;
– não cabe a um ministro do Supremo o papel de militante em favor da legalização das drogas. Que renuncie à toga e vá para a luta política.

 

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.