Topo

Reinaldo Azevedo

O STF E A CADEIA 4 – Cármen não pode ter medinho de Lula; ela tem de pautar agora a ação sobre prisão pós-segunda instância

Reinaldo Azevedo

05/03/2018 05h11

Cármen Lúcia: presidente do Supremo está com medo. E isso não é bom. Aí, a gente também c0meça a ficar assutado…

Carmen Lúcia, presidente do Supremo, tem de afastar de si o cálice da covardia. Não combina com o cargo que ocupa. De resto, ela não tem de ter medo de Lula. Ela precisa apenas tratá-lo como um cidadão brasileiro igual a qualquer outro. Por que isso?

Levantamento feito pela Folha indica que ministros do STF concederam 91 habeas corpus a condenados em segunda instância depois que o STF decidiu, em 2016, que esses tribunais podem, mas a tanto não são obrigados, mandar executar a pena de prisão. Isso representa apenas 23% do total de petições: 390. Dada a atual composição do tribunal, só três ministros deixaram de fazê-lo: a própria Carmen (que tomou poucas decisões porque está na Presidência do tribunal); Alexandre de Moraes, o mais recente ministro da casa, e Edson Fachin.

Como fica claro nos posts acima, a votação de 2016 não proíbe ministros de conceder habeas corpus porque ela não tinha efeito vinculante, vale dizer, não obrigava os demais tribunais e o próprio Supremo a se subordinar a ela. Ainda que sejam poucos os habeas corpus concedidos — 77% são rejeitados —, o fato é que eles existem. As pessoas comuns não são especialistas em direito. Não têm a obrigação de ficar fazendo distinção entre procedimentos dotados de "repercussão geral", mas não de "efeito vinculante", como aquele de 2016, chamado Agravo em Recurso Extraordinário. E a quem cabe desfazer a confusão para o bem do Brasil, dos brasileiros e do tribunal? Ora, à senhora Cérmen Lúcia!

Está pronta para votação na Casa uma Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) que trata precisamente deste assunto: pode a pena ser executada antes do trânsito em julgado, antes de que se esgotem os recursos? Segundo o Parágrafo 2º do Artigo 102 da Constituição, a ADC tem efeito vinculante. Aí, sim, acabam-se as dúvidas: se a maioria decidir que "sim", então "sim", poder-se-á executar a pena; se decidir que "não", então "não". Em tese ao menos, há até a possibilidade de um "não" ou de um "sim" condicionado a circunstâncias. Mas, para tanto, é preciso que se vote.

Ocorre que Cármen está com medo. E o medo é um péssimo conselheiro e pode levar a pessoa a fazer bobagem. A questão interessa a todo mundo, mas também a Lula. Além da ADC, que nada tem a ver com o petista, está no tribunal o pedido de habeas corpus preventivo para o ex-presidente. Edson Fachin rejeitou a liminar, mas mandou a questão para o pleno, sugerindo que a decisão seja tomada tendo em vista a ADC.

Cármen pode fazer a coisa certa, uma lambança média e uma lambança oceânica. A coisa certa: pôr para votar, antes de mais nada, a Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC). Se o tribunal decidir que não se prende ninguém antes do trânsito em julgado, nem será preciso votar o habeas corpus preventivo de Lula, que estará prejudicado. Caso se tome uma decisão semelhante à de 2016, mas aí em ação com efeito vinculante, Lula poderia ou não ser preso pelo TRF-4 logo depois da resposta aos embargos de declaração — e seria porque tal decisão já foi antecipada. Nesse caso, ainda assim, entendo que o HC tem de ser votado.

A lambança média, a depender de resultados, consiste em pautar o habeas corpus, que pode ser concedido ou não, deixando a Ação Declaratória de Constitucionalidade, que gera efeito vinculante, para quando Deus não impedir… Digamos que o tribunal rejeite o HC — e isso pode acontecer —, o que levaria à prisão de Lula em breve, mas com uma ação por votar (a ADC) que poderia soltá-lo… Prenúncio de confusão.

E a lambança oceânica? A doutora não pauta nem habeas corpus nem ADC e espera Lula ser preso, o que vai acontecer em menos de dois meses, tudo o mais constante. A pressão para que se vote uma ação ao menos será insuportável. A depender do resultado, tanto o HC como a ADC podem mandar soltar Lula.

E, aí sim, por desídia da presidente do Supremo, pode haver dois eventos de efeitos eleitorais incertos: a prisão de Lula e a soltura de Lula. Nos dois casos, trata-se de brincar com fogo.

Eu tenho uma sugestão a Cármen Lúcia: que ela cumpra a sua obrigação e não tenha medo de Lula. Se a decisão do tribunal levar à execução da pena só depois do trânsito em julgado (como está na Constituição), assim será. Se o tribunal decidir que pode ser antes, ele será preso e aguardará recurso à terceira instância. E ponto.

Brincar com fogo, doutora Cármen, consiste em fazer a coisa errada só para provar que não cede a pressões — e isso já é apequenar-se e ceder a pressões… —, correndo o risco de a coisa resultar num "prende e solta Lula" que só vai envenenar o ambiente político.

Cármen não tem o direito de fazer isso com o país e tem o dever de votar o que tem de ser votado, alheia a injunções políticas.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.