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Reinaldo Azevedo

Vazamentos: Barroso prova que certo estava La Rochefoucauld: “A hipocrisia é a homenagem que o vício presta à virtude”

Reinaldo Azevedo

06/03/2018 23h31

Tentar encontrar alguma coerência, tendo os códigos legais como parâmetro, no que faz Roberto Barroso, ministro do Supremo, não é nem certo nem errado. É apenas inútil. Não que, por isso, suas heterodoxias, idiossincrasias e esquisitices devam ser deixadas de lado. Nesta segunda, veio a público a informação de que, no dia 27, o doutor, mais uma vez, fez pouco caso da Constituição ao estender a já por si absurda quebra do sigilo bancário do presidente Michel Temer ao ano de 2013, quando este não era ainda presidente.

Assim, a uma pessoa mais atenta não escapa que o doutor recorre a um pretexto — sim, havendo irregularidades, Temer pode ser investigado em razão do decreto dos portos porque a coisa se deu no curso de seu mandato — para fazer uma investigação aberta e sem objeto das contas bancárias do chefe do Executivo quando este ainda não ocupava tal posto, o que viola o Parágrafo 4º do Artigo 86 da Constituição. Nesta terça, Barroso aprontou mais uma: está alardeando um suposto e grave vazamento para a defesa do Presidente Michel Temer de um procedimento sigiloso determinado por ele. Já chego ao ponto. Antes, algumas considerações.

demonstrei aqui como Barroso, escolhido para ser o "Vanguardista Vermelho" do PT, resolveu, no que concerne às questões do poder de Estado propriamente, se bandear para o lado da Lava Jato, deixando os companheiros na mão. Por ele, por exemplo, "Lula seria preso amanhã", o que faz a direita que ronca e fuça exaltar os seus dotes de grande jurista.

Mas é o mesmo Barroso que legaliza por conta própria o aborto; que quer proteger o rabo da vaca como patrimônio moral da humanidade; que pretende cassar prerrogativas de parlamentares no tapetão; que prega a legalização de todas as drogas; que atua como militante contra o financiamento de campanhas por empresas, o que vai jogar o pleito numa semiclandestinidade; que defende abertamente que o Supremo legisle… Em suma, a direita que ronca e fuça, obcecada unicamente por Lula — mais por preconceito do que por argumentos — dá suporte ao mais esquerdista de todos os ministros do tribunal. Convenham: a burrice é sempre mais larga do que a inteligência porque seu repertório é maior, né? Com alguma frequência, há apenas uma resposta certa para infinitas respostas erradas…

Vamos lá. No dia 27, o ministro, que é relator no Supremo do inquérito que investiga se o presidente beneficiou a empresa Rodrimar com a edição de um decreto sobre os portos, determinou a quebra do sigilo bancário de Temer retroativo a 2013. Tudo nessa história toca as raias do surrealismo, do absurdo:
a: o inquérito nasceu de uma "sugestão" de Rodrigo Janot, quando ainda procurador-geral da República. Nas 64 páginas de sua primeira denúncia para tentar derrubar o presidente, ele dedicou 34 ao caso dos portos, sem apontar um único indicio de que Temer pudesse ter cometido algum crime. Na verdade, o doutor deixa claro que não sabe que crime pode ter havido no decreto, mas ele está convicto de que se cometeu algum… Assim, Janot sugere que se faça uma investigação para ver se é possível achar alguma coisa. Só ditaduras adotam esse procedimento;

b: o Ministério Público e a Procuradoria Geral da República, claro!, atenderam ao apelo fascistoide;

c: não há no inquérito nenhum indício contra Temer; tanto é que se pediu para prorrogar o prazo de investigação por mais 60 dias.  Quem sabe aparece alguma coisa…;

d: a solicitação de quebra do sigilo foi feita pelo delegado da PF que é titular do inquérito, Cleyber Malta Lopes e não conta com o endosso do Ministério Público, o que é absolutamente excepcional.

Muito bem! O pedido de Barroso, claro!, chegou à imprensa. E também à defesa de Temer, que fez o que lhe compete: já que a informação está mesmo no mercado persa das especulações, nada mais correto do que pedir acesso aos autos da investigação. Eis, então, que Barroso, o homem que gosta de holofotes mais do que Greta Garbo antes de entrar em retiro espiritual,  sai alardeando que a defesa do presidente teve acesso a informações sigilosas, uma vez que, em sua petição enviada ao preclaro, citou, por exemplo, número de procedimentos que não deveriam ser do seu conhecimento. Barroso mandou investigar o vazamento, depois de ter conseguido, claro!, manchetes pelo segundo dia consecutivo.

Escreve ele: "Verifico que a petição apresentada pela ilustre defesa do Excelentíssimo Senhor Presidente da República revela conhecimento até mesmo dos números de autuação que teriam recebido procedimentos de investigação absolutamente sigilosos."

Ah, como diria La Rochefoucauld, viva a hipocrisia, que é a homenagem do vício à virtude. Então Barroso manda investigar um suposto "vazamento" para a defesa? Venham cá: quantos foram e são, nos casos de petrolão e associados, os vazamentos de procedimentos e depoimentos sigilosos que prejudicam investigados, acusados e réus? Por que nunca ouvimos um pio de Barroso a respeito? E Não! Não estou defendendo vazamento generalizado. Eu defendo é o "não-vazamento". Mas não sou hipócrita: não apoio em proveito de alguns a prática que abomino para outros.

A imprensa faz estardalhaço, mas não deveria. Afinal, a notícia de um vazamento indevido — feito, quase sempre, por alguém interessado numa causa material ou espiritual, não é mesmo? — nunca foi, como direi?, notícia nas suas páginas. O que se faz, aí sim, é alardear o seu conteúdo.

Barroso consegue ser manchete pelo segundo dia consecutivo. Nos dos casos, o alvo é Temer.

Ah, sim: que se investigue se houve vazamento para a defesa… O que quero saber é quando se vão coibir os vazamentos e entrevistas coletivas que servem apenas à acusação.

Mais uma vez, a não-vergonha bate à porta de Barroso.

E ele abre, claro!

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.