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Reinaldo Azevedo

Caberá a Marco Aurélio decidir se concede liminar que restabelece a normalidade; sim, situação é delicada, mas alternativa é pior

Reinaldo Azevedo

06/04/2018 08h04

Marco Aurélio Mello: ministro não costuma ter receio de enfrentar marés influentes e maiorias de ocasião

O PEN recorreu ao Supremo com um pedido de liminar para impedir a prisão de Lula. Não é um despropósito. Pouco importa se você acha que havia ou que não havia provas para condenar o ex-presidente; pouco importa se você acha que ele tem de ser preso ou não. Essas coisas dizem respeito à torcida. O que importa é o seguinte: há duas Ações Declaratórias de Constitucionalidade que aguardam votação. Quem pode colocá-las em pauta é a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF. A depender do resultado dessas ADCs, como são conhecidas, Lula não irá para a cadeia agora. Será preciso esperar, quando menos, o julgamento do Superior Tribunal de Justiça.

Sérgio Moro, como se sabe, determinou a prisão de Lula depois de autorizado pela Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região. O petista tem de se apresentar até as 17h de hoje. Ou será empregada medida de força. Seus advogados entraram com um habeas corpus com pedido de liminar. O relator é o ministro Marco Aurélio. Por quê? Porque o recurso pede que o ex-presidente seja mantido em liberdade até que se votem aquelas duas ações, relatadas pelo ministro.

O que Marco Aurélio vai fazer? Não sei! Em seu lugar, eu concederia a liminar pensando não no interesse de Lula, mas no interesse do país e na estabilidade do quadro eleitoral. "Ah, Reinaldo, então ele deveria atuar por razões meramente políticas?" Não! As razões técnicas estão mais do que dadas. Afinal, quem deixou de cumprir uma obrigação, ao não pautar as ADCs, foi Cármen Lúcia. É por isso que escrevo em coluna da Folha desta sexta que, se preso, Lula será um prisioneiro da presidente do tribunal.

E por que seria, a meu juízo, do interesse do país que a liminar fosse concedida? Porque se impediria um eventual "prende Lula-solta Lula", de efeitos imponderáveis. Observem: se preso nesta sexta, ele poderá ser solto tão logo o STF paute as tais ADCs. Elas declaram a constitucionalidade do Artigo 283 do Código de Processo Penal. Até onde se sabe, seis ministros assim votarão. Com esse resultado, se estiver preso, Lula terá de receber um habeas corpus de ofício do tribunal.

Em setembro, Cármen Lúcia deixa a presidência do Supremo. Seu esforço é evidente. Quer empurrar a votação com a barriga até lá e largar o problema no colo de Dias Toffoli, que vai sucedê-la. Se isso acontecer, a minha aposta e a de que ele cumpra a sua obrigação. Nesse caso, o ex-presidente poderia deixar a cadeia um mês antes das eleições de outubro.

Mas cabe a pergunta: se Marco Aurélio negar a liminar, será que Cármen Lúcia, nos cinco meses que lhe resta, conduzirá o Supremo num país em clima de normalidade, quando um ex-presidente e ainda candidato favorito à Presidência se concorrer pudesse, estará preso apenas porque ela se nega a cumprir aquela que é sua tarefa indeclinável?

Está em curso a marcha da insensatez. Resta saber como isso tudo será lido por Sua Majestade o Eleitor. Até agora, o que se vislumbra no horizonte é bem pouco animador quando se tem como pressuposto a civilidade democrática.

Situação delicada
É claro que a posição de Marco Aurélio é bastante delicada, embora ele não seja do tipo que se deixe intimidar pelo alarido. Qualquer que seja a sua escolha, sabe que haverá uma legião de descontentes. Os mais agressivos hoje nas redes — o PT está perdendo essa batalha há muito tempo — são os que exigem a prisão de Lula, na forma da lei ou não. Se nega a liminar, permite que tenha sequência uma urdidura que começou quando Cármen — e ele apontou tal fato com todas as letras no tribunal — jogou com a pauta, administrando-como com conta de chegada. Há muito se desconfiava que Rosa Weber fosse dar aquele voto exótico, que consiste em negar o instrumento do habeas corpus a quem, segundo ela mesma, está tendo o seu direito fundamental agredido.

Se concede a liminar, vai lhe cair sobre os ombros o peso daqueles que acham que isso corresponde a investir na impunidade. É claro que o tribunal não deveria ser confrontado com esse tipo de coisa. Reitero: uma gestão apenas técnica da pauta, e não estaríamos passando por esses dilemas.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.