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Reinaldo Azevedo

Lula não é um preso político, mas esse é o ponto de partida do caso, não de chegada. Cuidado com as “democracias iliberais”!!!

Reinaldo Azevedo

09/04/2018 07h26

É evidente que o ex-presidente Lula não é um preso político. O trocadilho é óbvio demais até para ser evitado: trata-se, isto sim, de um político preso. Mas, vamos convir, esse não é o ponto de chegada da análise. Estamos apenas no ponto de partida. De todo modo, é preciso proceder a alguma conceituação.

O que é um preso político? É aquele que está encarcerado por delito de consciência ou que é aprisionado por sua luta contra um regime despótico, tenha esse o caráter que for: religioso, oligárquico, ideológico. Só as ditaduras fazem presos políticos. Eles inexistem em regimes democráticos. E, salvo melhor juízo, ainda não caracterizado por ninguém, vivemos numa democracia. A Constituição que temos foi votada pelo povo, a liberdade de organização e manifestação é plena no país, os Poderes da República são livres — em alguns casos, livres até das próprias regras que os organizam.

Não havendo presos políticos numa democracia, e as condições que listo fazerem do Brasil uma democracia, pois, nos dizem o óbvio: Lula não é um preso político. Mas, até aqui, estamos, vamos dizer, no nível Massinha I do debate.

Democracias, quando adjetivadas, costumo dizer, começam a flertar com ditaduras ou regimes de força. Vejam o truculento Viktor Orbán, primeiro-ministro da Hungria, cujo partido recebeu, neste domingo, estima-se enquanto escrevo, 49,5% dos votos nas eleições deste domingo. Deve ficar com 134 das 199 cadeiras do Parlamento. Ele governou o país entre 1998 e 2002 e voltou ao poder em 2010. É difícil saber se sairá um dia. Tenta ser uma espécie de Vladimir Putin húngaro. Define o regime que comanda como uma "democracia iliberal". O dirigente russo talvez possa reivindicar a mesma coisa.

Há alguns anos, entrei em debate com amigos sobre o que insistiam em chamar de "democracia turca", sob Recep Erdoğan. Hoje, já não se hesita mais em classificar o que existe na Turquia de "regime autoritário". Para mim, Erdogan sempre comandou uma ditadura mitigada — e, hoje em dia, cada vez menos mitigada e cada vez mais ditadura.

A que servem essas considerações e lembranças? A democracia não se esgota em formalidades. Há também a questão dos valores. Precisamos ficar atentos aos momentos em que o regime pode ser assediado ou assaltado por forças que, ainda que incrustadas na ordem, buscam autonomia para, digamos, gerenciá-la, passando a funcionar, então, como uma espécie de "ente de razão", dotado de autonomia e de racionalidade superior para se impor sobre a realidade mundana. Esse ente passa a ser, então, o juiz supremo do mundo real. E a democracia se torna menos… democrática.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.