Topo

Reinaldo Azevedo

Supremo: em matéria de habeas corpus, é lícito, ainda que legal, um relator decidir ganhar ou perder, escolhendo os juízes?

Reinaldo Azevedo

11/04/2018 16h58

São Paulo, o Apóstolo. Ele lembrou com propriedade: "Tudo me é permitido, mas nem tudo me convém"

Se você está acompanhando a sessão do Supremo, o que se debate ali é se faz sentido ou não que um relator afete o pleno — isto é, remeta o recurso ao conjunto dos ministros — no caso de concessão de habeas corpus.

Vamos explicar o pano de fundo. O normal, quando um relator nega um HC e a defesa recorre com agravo regimental, é enviar o caso para a turma. Lembrete: o Supremo se divide em duas turmas de cinco ministros. O presidente não pertence a nenhuma delas.

Com efeito, o relator é soberano, entendo eu, para enviar o recurso para a turma ou para o pleno. Não dá para encontrar na letra do Regimento Interno qualquer restrição.

Isso não quer dizer que não devamos fazer o devido debate, a saber: o relator pode escolher ganhar ou perder. Explico.

Edson Fachin pertence hoje à Segunda Turma. Ela tende a ser mais flexível na concessão de habeas corpos do que a Primeira. Nesse grupo, há o trio do "não": Roberto Barroso, Luiz Fux e Rosa Weber. Alexandre de Moraes, tudo indica, vai caminhar por aí. Ainda é cedo para dizer.

Na Segunda Turma, faz-se, entendo, a coisa é certa. Os casos são analisados. Verifica-se se existem motivos para a prisão preventiva, previstos no Artigo 312 do Código de Processo Penal.

Qual é o truque de Fachin? Quando ele recebe um agravo contra a sua decisão, monocrática, ele faz o seguinte: se ele acha que vai perder na Segunda Turma, ele envia a questão para o pleno, onde ele tem mais chance de ganhar.

Entenderam?

Lewandowski está, na verdade, denunciando esse truque. E defende a seguinte tese: é preciso que haja uma razão para convocar o pleno. E faz outra observação pertinente: ele lembra que seu gabinete tem mais de 400 pedidos de habeas corpus. Diz ele: "Se eu decidir convocar o pleno em 10% dos casos, o Supremo para".

E isso é verdade.

Mais: quando um relator decide "ganhar" ou "perder", isso corresponde a uma forma de fraude ao princípio do juiz natural porque, por óbvio, há uma forma de manipulação do resultado.

Assim, deixo claro que as observações de Lewandowski não são descabidas. Mas eu, que sou um literalista, pergunto sempre o que diz o código que trata do assunto: o Regimento Interno proíbe que se convoque o pleno ou estabelece condicionantes? A resposta é "não" e "não".

Então "não" é "não".

Mas que Fachin usa o Regimento para manipular o resultado, ah, isso ele usa, sim!

Outra questão: achei uma graça ver o ministro Roberto Barroso sacar o Regimento Interno para demonstrar que nada há ali que impeça o relator de convocar ou não o pleno. Ele deveria fazer o mesmo com a Constituição e os outros códigos legais: quando a letra da lei é explícita, ele deveria segui-la.

A síntese das sínteses é a seguinte: não existe código no mundo que consiga dar conta da mais básica de todas as questões, que consiste em ter ou não ter caráter.

Fachin chegou ao Supremo com o apoio do MST e dos padres de passeata, a Ala Vermelha da CNBB. Deveria ler São Paulo, o Apóstolo: tudo me é permitido, mas nem tudo me convém.

Sei, São Paulo é antigo, né? Do tempo em que o debate ético ainda fazia algum sentido.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.