Dois ministros votaram contra os privilégios: Toffoli e Mendes. No mais, apenas se atacou o Congresso; a impunidade tende a aumentar
Dois ministros realmente votaram nesta quinta-feira contra o fim do que chamam por aí de "privilégio": e não foram aqueles que concordaram com a posição destrambelhada de Roberto Barroso, que, para lembrar uma expressão gaúcha citada por Gilmar Mendes, vale por uma tosa de porco: rende muito grito e pouca lã. Refiro-me ao próprio Mendes e a Dias Toffoli. Vamos ver.
Toffoli reformou o voto do dia anterior e propôs que o STF fizesse uma intepretação extensiva da decisão tomada: também para milhares de pessoas, que não os parlamentares federais, o foro especial deveria valer apenas a partir da nomeação ou eleição. Se você que me lê defende a decisão tomada ontem, tem de se perguntar, então, por que ela há de valer apenas para deputados e senadores??
Num longo voto (íntegra aqui), Mendes aderiu à tese de Toffoli e foi além: propôs que o Supremo editasse uma súmula tornando sem efeito o foro especial concedido por Assembleias Estaduais. E disse mais: as consequências da decisão tomada pelo tribunal deveriam valer para todas as autoridades, incluindo ministros do Supremo, membros do Ministério Público, juízes etc.
Podia-se cortar o silêncio com a faca. Afinal o que se via no Supremo eram línguas de populismo a céu aberto; era o esgoto não-tratado da impostura escorrendo sobre o Estado de Direito e as garantias constitucionais. Afinal, se uma garantia explícita da Carta poderia ser mudada de maneira oportunista, por que a discriminação? Porque restringir a questão a deputados e senadores?
Toffoli e Mendes não são ingênuos. Sabiam que a proposta não passaria, não é mesmo? Afinal, a metafísica influente está em cassar e caçar a cabeça de deputados e senadores. Os juízes, os membros do Ministério Público e o próprio Supremo são, nessa ladainha, os caçadores e cassadores.
O foro especial por prerrogativa de função, lembre-se de novo, se espalha em cinco artigos da Constituição: 29, 96, 102, 105 e 108. Eis que Barroso resolveu usar uma Ação Penal para propor uma questão de ordem que mexe com três palavrinhas do 102. No seu mundo, as outras mais de 59 mil pessoas seguem com foro especial, já que as ruas não estão, afinal, pedindo a cabeça delas.
De resto, trata-se de uma mentira escandalosa a afirmação de que se está combatendo a impunidade. Vão se abrir as portas para duas práticas nefastas: a) para que juízes de primeiro grau persigam deputados e senadores; b) para que juízes de primeiro grau protejam… políticos e senadores. Ou alguém ignora que muitos parlamentares poderosos preferem ser julgados em seus respectivos Estados porque têm influência no Judiciário local?
Eis a mais evidente tosa de porco: muito grito e pouca lã no que diz respeito ao combate à impunidade. Mas isso nem o mais importante: o que temos de realmente relevante é que está claro que a Constituição é letra morta. Basta que um ministro assim decida e arrume mais uma turminha para formar a maioria.