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Reinaldo Azevedo

Como o diabo gosta: o anhangá, o cão-miúdo, o mafarrico, o pé-cascudo, o cramulhão se dá bem é na bagunça, na balbúrdia, na gritaria, no caos

Reinaldo Azevedo

24/05/2018 07h59

Ah, o Brasil está ficando como o diabo gosta, não é mesmo? Como se sabe, o anhangá, o cão-miúdo, o mafarrico, o pé-cascudo, o cramulhão se dá bem é na bagunça, na balbúrdia, na gritaria, no caos, na confusão. São tantas as faces do tal diabo que é a palavra da língua portuguesa falada no Brasil que tem o maior número de sinônimos: 137 para ser preciso. Se é assim, isso está a indicar as muitas situações em que a população, país afora, vê a manifestação do capeta, do excomungado, do pé de gancho, do sapucaio, do zarapelho. E, como esta a cada dia mais evidente, são muitos os cultores do canheta e bem poucos os que estão dispostos a falar em nome da responsabilidade. Porque vivemos dias assim: quanto mais irresponsáveis se mostram até os comentaristas de jornal, rádio, televisão, blogs e redes sociais, melhor! Um extremista costuma se alimentar com a ignorância de outro.

Os caminhoneiros, que anunciaram — e não se tem claro com quais lideranças se negocia — que a greve continua nesta quinta já são parcialmente vitoriosos. Bastaram três dias de paralisação, com fechamento de estradas e a promoção da desordem Brasil afora, e serviços essenciais anunciaram a sua virtual paralisia, como aeroportos e transporte público. O mesmo se diga do abastecimento de supermercados. Na cidade de São Paulo, 40% da frota de ônibus não vão circular por causa da falta de diesel. O rodízio de automóveis foi suspenso, o que aumentará o número de carros na rua, que demandarão mais gasolina, cujo preço, dada a carência, disparou na bomba.

A Petrobras, então, anuncia a redução, por 15 dias, de 10% do preço do diesel, o que implicará numa queda de sua receita de R$ 350 milhões, e a Câmara aprova, agora a toque de caixa, a reoneração da folha de pagamentos de ao menos 28 dos 56 setores previstos no projeto de lei; em troca, aprova-se o fim da cobrança de PIS-Cofins para combustíveis. Para lembrar: o governo tenta aprovar a reoneração da folha, uma das medidas contra o abismo fiscal herdado do governo Dilma, desde março do ano passado. A medida vem sendo sabotada de maneira determinada por Rodrigo Maia (DEM-RJ), presidente da Câmara, que, ora vejam, resolveu faturar com a crise com ataques ao governo.

Vocês sabem há quanto tempo tenho chamado a atenção para o fato de que a destruição da política e dos políticos implica um incentivo ao vale-tudo, ao faça-você-mesmo, ao pega-pra-capar. E, se querem saber, isso que vemos pode ser apenas os capítulos iniciais da crise. Há a chance de que possa piorar? Há, sim! Afinal, já vemos algumas vozes tentando tirar uma casquinha da barafunda.

Tomemos aqui o diabo como metáfora. Para fazer valer o seu reinado, costuma investir em duas coisas: na ambição desmedida dos homens — o que não é coisa difícil — e na desinteligência, de sorte que ninguém entende ninguém. Trava-se o diálogo dos surdos eloquentes. É precisamente o ponto em que estamos agora. A quem interessa? Bem, certamente não a quem busca uma saída racional para o problema.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.