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Reinaldo Azevedo

Parente 1: Carta de demissão é alarmista e um tanto arrogante; ao sair, executivo administra a própria carreira, não o tal “interesse público”

Reinaldo Azevedo

02/06/2018 09h33

Pedro Parente, que pediu demissão da Petrobras. Empresa pesa sobre a cabeça de todos os brasileiros

Li a carta de demissão de Pedro Parente da presidência da Petrobras. Não gostei. Na verdade, eu a achei péssima. De resto, ele não é nenhum ingênuo. Demitir-se com o mercado em operação e, nos termos em que o fez, só poderia resultar no que resultou: um tombo de 14% nas ações da empresa na Bolsa — R$ 40 bilhões em valor de mercado num único dia. Desde o começo da crise, a queda é de R$ 150 bilhões. Se Parente fez um bom trabalho desde que assumiu o comando da empresa, lamento dizer que se comportou muito mal do início da crise a esta data e cuidou de administrar sua carreira, sua vaidade e sua reputação no mercado de executivos. Mais uma vez, o Brasil dos outros não entrou na conta.

Começo lamentando que partiu de seu entorno a informação, desde o primeiro dia da crise, de que ele cairia fora caso fosse pressionado e coisa e tal. Eu, se presidente de estatal ou de empresa de economia mista, faria o mesmo. É por isso que eu jamais seria presidente de estatal ou de empresa de economia mista, entendem? Aceitar o cargo, lamento dizer, supõe, nesses casos, injunções políticas. Mas isso é o de menos.

Sua carta foi escrita para derrubar a Petrobras. Há nela a famosa mensagem: "Depois de mim, o dilúvio". Leiam este trecho:
"Tenho refletido muito sobre tudo o que aconteceu. Está claro, Sr. Presidente, que novas discussões serão necessárias. E, diante deste quadro, fica claro que a minha permanência na presidência da Petrobras deixou de ser positiva e de contribuir para a construção das alternativas que o governo tem pela frente. Sempre procurei demonstrar, em minha trajetória na vida pública, que, acima de tudo, meu compromisso é com o bem público. Não tenho qualquer apego a cargos ou posições e não serei um empecilho para que essas alternativas sejam discutidas."

Ok. Esse negócio de não ter apego e coisa e tal é o que todos dizem. E o apego se torna ainda menor quando existe pela frente a porteira da BRF, cujas ações, em contraste com as da Petrobras, dispararam. Isso fala da boa reputação de Parente no mercado. Não escrever o que escreveu seria uma forma de zelar pelo "bem público".

O que resta de inquestionável em tal trecho? A afirmação de que a Petrobras vai mudar a política de preços por ele adotada — tida no "mercado" como a pedra filosofal. O executivo não é nada modesto ao listar os próprios feitos no período em que conduziu a empresa. E se entende que o sucesso se deveu também a essa política. Logo, se haverá a mudança, como ele dá a entender, então sobrevirá o desastre. E isso, absolutamente, não está dado.

Num outro momento, Parente escreve:
"Durante o período em que fui presidente da empresa, contei com o pleno apoio de seu Conselho. A trajetória da Petrobras nesse período foi acompanhada de perto pela imprensa, pela opinião pública, e por seus investidores e acionistas. Os resultados obtidos revelam o acerto do conjunto das medidas que adotamos, que vão muito além da política de preços."

É verdade. Por isso mesmo, eu me opunha à sua saída. Notem que, no texto de Parente, a expressão "acompanhada de perto" quer dizer "aprovada". Só que faltou à sua lista — "imprensa, opinião pública, investidores e acionistas" — Sua Majestade, o consumidor. Acionistas e investidores querem "retorno". Estavam tendo! A imprensa, como a gente vê, também ela, não estava a reportar a tensão que havia no seio da sociedade. E "opinião pública", convenham, não pode se confundir com "opinião publicada" — porque esta não é necessariamente a do público, mas apenas a de sua parcela influente. Convenham: 87% apoiaram a greve. "É tudo ódio ao governo Temer…" Não! Era repúdio à política de preços da Petrobras.

Se Parente for mesmo para a BRF, certamente buscará contar com o apoio de "imprensa, opinião pública, investidores e acionistas". Como, no caso, vai enfrentar uma concorrência altamente profissionalizada — QUE NÃO EXISTIA PARA A MONOPOLISTA PETROBRAS —, também terá de levar em conta o consumidor na hora de formar o preço do peru, do frango e da salsicha. Havendo descontentamento, sabem como é, os consumidores de peru, frango e salsicha acabarão escolhendo outra marca e outros preços. Só que o consumidor de combustível não pode fazer isso.

Depois do trabalho que fez na Petrobras, do apoio que teve, das consequências de suas escolhas, bem, depois de tudo, ele tinha, acho eu, o dever de escrever uma carta de demissão com palavras apaziguadoras. Mas fez justamente o contrário.

Está sendo cantado em prosa e verso pela imprensa.

Não será aqui. Não de modo acrítico, no gênero "baba-ovos". Fui contra a sua saída. Reconheço a sua competência. Mas não endosso esse procedimento final. Até porque sua política de preços, como se verá, não estava acima do bem e do mal. Mas aí será preciso entender um pouquinho de matemática elementar para constatá-lo.

Além de botar a Petrobras como parte do Brasil. E não o Brasil como parte da Petrobras.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.