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Reinaldo Azevedo

O argumento de que delação seria monopólio do MP era de tal sorte ridículo que é patético que STF tenha perdido tempo com a questão

Reinaldo Azevedo

21/06/2018 07h45

Rodrigo Janot: o autor da ADI sem fundamento sobre a qual o STF teve de se debruçar

O Brasil e um país muito mais, digamos, "sui generis" do que parece. Nesta quarta, o Supremo bateu o martelo: delegados da Polícia Civil e da Polícia Federal podem celebrar acordos de delação premiada. O placar foi de 10 a 1 nesse particular. Só Edson Fachin foi contra. Por 8 a 3 — com a oposição, de novo, de Fachin, além de Luiz Fux e Rosa Weber — decidiu-se que tais acordos não se vinculam à prévia concordância do Ministério Público Federal. Tal possibilidade, concluiu o voto majoritário, em nada afeta o papel do MPF como titular da ação Penal. Para lembrar: a PGR entrou com a ação no dia 2 de maio de 2017. Começou a ser julgada no dia 13 de dezembro daquele ano. A votação foi interrompida e só foi retomada nesta quarta. Faltava colher os votos dos ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Cármen Lúcia.

O fato de o STF ter de se ocupar da questão ilustra o absurdo nosso de cada dia. E por quê afirmo isso? Meu caros, a Lei 12.850, que trata da delação premiada, é explícita sobre ter o delegado autoridade para levar adiante a colaboração. Está no caput do Artigo 4º, vejam lá. Está no Inciso II do Artigo 6º, onde se lê: "O termo de acordo da colaboração premiada deverá ser feito por escrito e conter as condições da proposta do Ministério Público ou do delegado de polícia".

Logo, não havia dúvida nenhuma, para ficar no universo da lei, sobre a possibilidade de a celebração da delação não ser monopólio do MPF. Mas, ora vejam, Rodrigo Janot, então procurador-geral da República, não se conformou. Embora PF e MPF sejam companheiros no que chamo "Partido da Polícia", eles têm lá as suas divergências. A PGR entrou, então, no Supremo com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), alegando justamente que são inconstitucionais esses trechos da lei.

A coisa tem lá seu lado surrealista pela óbvia e simples razão de que a Constituição não trata do tema "delação premiada". Logo, não teria como especificar, pois, quem pode e quem não pode fechar o acordo. Assim, Janot teve de fazer malabarismo para forçar a Carta a dizer o que ela não diz. Segundo ele, a possibilidade de a polícia também celebrar acordos de delação feriria a prerrogativa do MPF como titular da Ação Penal (Artigo 129, inciso I), a exclusividade do exercício de funções do Ministério Público por membros da carreira (Art. 129, Parágrafo 2º) e a função da polícia como órgão de segurança pública (Art. 144, parágrafos 1º e 4º).

A argumentação é patética. A titularidade do MPF na ação penal não se vincula à prerrogativa de fazer delação premiada nem dela é derivada; uma coisa não tem nada a ver com a outra. As atividades privativas do órgão estão especificadas na Carta e não incluem o monopólio das delações. Finalmente, note-se que o fato de a polícia responder pela segurança púbica, o que é fato, não a impede de fazer o tal acordo — até porque, convenham, este pode ser considerado um capítulo justamente da… segurança pública.

A ADI de Janot dá conta das aspirações cesaristas do MPF, especialmente em tempos de Lava Jato. Até porque cumpre lembrar que é o juiz quem homologa o acordo. Só mesmo Fachin para votar a favor da tese do seu amigão.

Para oito ministros, o MPF tem de ser, sim, ouvido, mas o acordo não se vincula à sua concordância, tese esposada por Fux, Rosa e, claro! Fachin. Quando perdeu no essencial, tentou salvar o acessório. Não deu.

Todos sabem que não tenho grande admiração pela chamada "delação premiada". Dada a forma como é aplicada no Brasil, virou, com raras exceções, refúgio de canalhas. Pior, não? Policiais, procuradores e até juízes passam a ter seus bandidos de estimação, desde que estes falem aquilo que os donatários de benefícios querem ouvir.

De todo modo, uma coisa é inquestionável: não há uma vírgula na Constituição que sugira, ainda que remotamente, que a delação é exclusividade do MPF. A ação só traduz o desejo desse órgão de governar o Brasil sem ter sido eleito por ninguém. Fachin parece concordar.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.