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Reinaldo Azevedo

Confusão dos vices é sintoma da desordem que está a reinar na política, que continua a ser alvo de discursos deletérios, como o de Sérgio Moro

Reinaldo Azevedo

27/07/2018 05h58

Sérgio Moro: ele continua a entornar o nariz para a política e a se comportar como o juiz universal> Os brasileiros pagam o pato

Josué Alencar finalmente disse "não" à vaga de vice na chapa encabeçada por Geraldo Alckmin (PSDB). Sua mãe, Mariza Gomes da Silva, ficou feliz. E, informa a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), depois de ir colher mais uma mensagem do cárcere, Lula também ficou bastante satisfeito. Não se sabe, até agora, qual veto teria pesado mais: se o da mãe ou o do líder petista. Bem, o "caso Josué" está superado e dá conta, admitamos, das maluquices que tomam conta da política brasileira. Como a atividade vive sob permanente suspeição e sob o assalto do denuncismo furioso, buscam-se nomes, emblemas, que, de algum modo, neguem a política para fazer política. Embora filiado ao PR, o "Josué" procurado por todos — que poderia ser vice de Alckmin, Ciro Gomes ou de um petista — é um empresário. Afinal, o pressuposto é o de que a política não presta.

Discursos como o enunciado pelo juiz Sérgio Moro num seminário no "Estadão" alimentam o desprestígio da atividade política. Segundo o doutor, as eleições podem trazer um enfraquecimento do combate à corrupção. Ele também deu a entender que a Lava Jato poderia correr riscos. E não! Ele não apontou por quais caminhos uma coisa e outra poderiam acontecer; quais seriam as ações concretas. Levada as palavras ao pé da letra e considerada a sua fala pelo seu valor conceitual, não seria difícil chegar à conclusão de que política e eleições são os territórios naturais da corrupção. Para bani-la, pois, seria preciso entregar o governo a um Conselho de Sábios Honestos. Infelizmente, parte da imprensa embarca nessa conversa mole.

Não é só o ativismo do Poder Judiciário e do Ministério Público que sufoca o poder da política. O ativismo da imprensa tem o mesmo efeito. Ou, para ser preciso, como observei numa conversa com um colega dia desses, na nossa profissão, seria mais adequado falar em "passivismo jornalístico", já que setores da imprensa se tornaram meros caudatários das escolhas políticas — e até ideológicas — de MPF, PF e setores do Judiciário. Em larga medida, o dito jornalismo investigativo se contenta em ser repassador de vazamentos, construindo, para usar uma palavra em voga, a "narrativa" que serve aos interesses e à pauta desses entes.

Moro, os procuradores e outros representantes de órgãos do Estado encarregados, para ser genérico, da repressão ao crime podem ter a opinião que lhes der na telha sobre o combate à corrupção. Mas, então, têm de abandonar as funções de Estado e disputar o território da política. Ou se estará diante de uma luta desigual, essencialmente covarde. Quem pode mandar soltar ou prender não pode disputar a arena política com quem pode ser preso ou solto — e, hoje em dia, sabemos todos, os limites impostos pelos códigos legais são submetidos às leituras as mais exóticas. Então Moro emite opiniões ao léu sobre o processo eleitoral, mas a simples referência de um político à necessidade de que o Judiciário se atenha à Constituição vira um Deus-nos-acuda?

Tenho divergências imensas com Ciro Gomes, candidato do PDT à Presidência. Mas eu concordo com o diagnóstico de que é preciso resgatar o espaço que cabe à política. "Ah, que os políticos sejam mais dignos, então!" Sim, claro! Ocorre que, quando se demoniza a própria atividade, dignos e indignos são colocados no mesmo saco. Criminaliza-se a própria atividade em lugar de se apontarem os atos criminosos.

Alguém ainda poderia dizer: "Ah, Reinaldo, mas veja como o Brasil está melhorando com tal prática!" Lamento: não está! Depois de tudo, se Lula não tivesse sido condenado em segunda instância, com a consequente prisão, estaria a caminho da Presidência da República. O seu rival mais próximo é alguém que mobiliza pessoas e propostas que até um general de sotaque golpista classifica de boçais.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.