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Reinaldo Azevedo

Por enquanto, acordo entre PT e PSB tem gerado mais confusão do que solução; os dois partidos terão de optar pela truculência

Reinaldo Azevedo

03/08/2018 07h05

Marília Arraes: candidatura foi retirada pelos chefões sem nem consultar a candidata

O PT herdou alguns vícios do bolchevismo. Um deles é o "centralismo democrático", uma invenção de Lênin que consiste, em síntese, no seguinte: o comando do partido decide, e o resto obedece. A invenção leninista é anterior à revolução, quando, vá lá, imaginava-se que os revolucionários tivessem lá suas dificuldades e fossem obrigados a fazer escolhas fugindo da polícia. Não era fácil fazer uma "consulta às bases". Mas o método sobreviveu. Partidos de esquerda que são herdeiros, ainda que muito mitigados, do bolchevismo — e é o caso do PT — delegam ao núcleo dirigente o poder para pintar e bordar. Ainda que o petismo disponha de mecanismos que simulam consulta às bases, a verdade é que o comando faz o que quer. E, acima dele, Lula é o grande autocrata.

Foi numa cela da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba que Lula bateu o martelo sobre o acordo entre o PT e o PSB. Este partido ficará neutro nas eleições presidenciais. Como paga, os petistas decidiram fazer uma aliança com Paulo Câmara, o peessebista que governa Pernambuco. Isso implica mandar para os ares a candidatura da petista Marília Arraes, que é neta de Miguel Arraes. Seu avô foi um dos fundadores do moderno PSB, partido que já foi comandado por seu tio, Eduardo Campos. Em Minas, o peessebista Márcio Lacerda é que foi rifado. Seu partido vai apoiar a reeleição do petista Fernando Pimentel.

Ocorre que o ataque de bolchevismo decisório do PT e do PSB não está saindo barato. As duas siglas terão de ser bem mais truculentas do que pretendiam para fazer valer o acordo. Numa pré-convenção petista realizada na noite desta quinta, nada menos de 230 dos 251 delegados presentes votaram em favor da candidatura própria — vale dizer: da de Marília. Apenas 20 se manifestaram contra, e houve uma abstenção. Cartazes afirmavam: "Eleição sem Marília é golpe". Na porta da PF, em Curitiba, onde foi receber novas instruções de Lula, Gleisi Hoffmann, presidente do PT, tentava explicar a aliança, mas sua voz era sufocada por petistas que gritavam o nome de Marília. Acreditem: ela foi retirada da disputa pela Executiva Nacional. Se  não desistir, tudo indica que o Diretório Estadual do PT terá de sofrer uma intervenção.

Longe dali, em Minas, a revolta era de Lacerda. Ele enviou uma mensagem de voz por WhatsApp a seus aliados em que anuncia que não vai desistir. Ele afirma: "Decidi manter a minha candidatura. Para isso, é muito importante que todos os delegados, todos os apoiadores, compareçam à convenção do PSB no próximo sábado (…). E a posição será manter a candidatura (…)".

A reação de Carlos Siqueira, presidente do PSB, foi imediata. Ele interveio na direção do partido em Minas e mudou a sua composição. Tudo para impedir que Lacerda leve adiante o seu pleito. Os novos dirigentes da sigla são ligados ao deputado Paulo Delgado, inimigo de Lacerda. O até ontem pré-candidato, a dois dias de se sagrar o nome do partido para o Palácio da Liberdade, decidiu recorrer à Justiça. Duvido que seja bem-sucedido.

Lacerda afirma no áudio: "Cheguei à conclusão óbvia de estarmos aqui enfrentando uma truculência, um ato antidemocrático absolutamente injusto e que me provocou muita revolta e indignação. E me levou a insistir nessa candidatura, reforçou a nossa determinação de disputar o governo". Pois é… Dificilmente acontecerá.

O PDT, que já havia feito algumas composições com o PSB, agora ameaça lançar candidaturas próprias para dar palanque a Ciro em Estados como São Paulo, Pernambuco e Paraíba. Os petistas, que passaram boa parte do tempo a defender a união das esquerdas, estão contribuindo, como se nota, para fragmentá-las ainda mais.

Gleisi continua operando ativamente, em nome de Lula, para romper o isolamento formal do PT, que não está coligado ainda a ninguém. Afinal, nacionalmente, não ganhou um mísero segundo no horário eleitoral com a neutralidade do PSB. As atenções se voltam de novo para Manuela D'Ávila, que pretende disputar a eleição pelo PCdoB. Convenção do partido já oficializou seu nome, mas há espaço para recuo. A candidata já disse que só retiraria a sua postulação se houvesse unidade das esquerdas. Bem, elas podem ser acusadas de tudo nesse imbróglio, menos de buscar a tal "unidade".

A nota do surrealismo protagonizado por PT e PSB está no fato de que a coisa toda se assenta numa impossibilidade, numa ilusão, que à a candidatura de Lula à Presidência. Bem, candidato ele não será. Alguém vai substituí-lo: muito provavelmente, será Fernando Haddad. E daí? Tudo se faz para que o ex-presidente não perca o controle do PT e para que o PT conserve, com mão de ferro, a hegemonia da esquerda no país. Nesse caso, como se vê, vale tudo.

O PT atuou, como os fatos deixam claro, para que Ciro Gomes ficasse isolado. E, assim, quem sabe?, atraí-lo para um acordo. Não parece ser essa disposição. Até porque, como estamos vendo, o arranjo gerou mais confusão do que solução. Até agora, Lula e Gleisi podem se orgulhar apenas é de ter roubado do candidato do PDT alguns preciosos segundos no horário eleitoral.

É claro que o jogo de Lula é arriscado. Unida, a esquerda teria, com certeza, um candidato no segundo turno. Dado o encaminhamento das coisas, sai-se do território do "certo" para o do, por ora ao menos, apenas "provável". Lula, definitivamente, confunde o próprio destino com o de seu partido, com os das esquerdas e, em certa medida, com o do Brasil, já que lidera um partido que governou "estepaiz" por longos 13 anos. E, afinal, as articulações em curso estão ligadas à disputa pela cadeira presidencial.

O PT tirou o aliado de Ciro Gomes. Se é um ganho, foi o único. Por enquanto, todo o resto é prejuízo. O "centralismo democrático" expõe, assim, a sua natureza. É só truculência.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.