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Reinaldo Azevedo

Flávio Rocha ciceroneia Bolsonaro entre ricos. Tomara que a população seja mais responsável do que as elites reacionárias e as esquerdistas

Reinaldo Azevedo

13/08/2018 07h35

Flávio Rocha: depois de desistir de candidatura, a parceria com Jair Bolsonaro

Flávio Rocha, ex-presidente da Riachuelo e cuja família controla o grupo Guararapes, desistiu da candidatura à Presidência pelo PRB e se tornou cabo-eleitoral de Jair Bolsonaro (PSL). Tenta, assim, ser uma cunha no meio empresarial para facilitar o trânsito do candidato no PIB brasileiro. Conhecido por propagandear ideias ditas liberais, dá, assim, uma mostra e uma amostra muito eloquentes do que entende por liberalismo.  A única credencial de Bolsonaro que se assemelha a essa corrente de pensamento econômico é Paulo Guedes, que comandaria a economia numa eventual gestão bolsonarista. A história e os votos do candidato vão em sentido contrário: em momentos cruciais para a economia, seus parceiros de jornada, ainda que não de forma coordenada, foram as esquerdas. Se estas continuassem machistas, misóginas e homofóbicas, como já foram um dia, Bolsonaro poderia integrar uma das correntes do PT ou do PSOL, onde cabo Daciolo, diga-se, despontou para a política.

De resto, Paulo Guedes, como eventual ministro de Bolsonaro, seria demissível "ad nutum", por vontade exclusiva do chefe. Eleitores não votam em ministros de Estado quando vão às urnas.

Não chega a ser surpreendente a adesão de Rocha. Ele estreou na vida pública em 1986, elegendo-se deputado federal pelo PFL. Migrou para ao PL e dali saltou para o PRN de Fernando Collor, reelegendo-se deputado em 1990, e foi um dos escudeiros do exótico presidente. Convenham: as coisas fazem sentido. Collor chegou ao governo tendo de criar uma maioria no Congresso e sem saber direito para que lado atirar. Deu no que deu. Rocha quer bis.

A Folha informa que Rocha era um dos esteios de Bolsonaro num café da manhã, na sexta, com 62 empresários. Seu nome foi citado pelo candidato como um eventual futuro ministro da Indústria e Comércio. Segundo a reportagem, Rocha foi incentivado a comparecer ao evento pelo dono da construtora Tecnisa, Meyer Nigri, um bolsonarista de primeira hora.

Sebastião Bomfim, dono da rede de lojas de artigos esportivos Centauro, informa o jornal, era outro dos presentes com coragem de mostrar a cara: "Eu estava em dúvida entre Álvaro Dias [Podemos] e o Bolsonaro. Agora tenho certeza que sou Bolsonaro". Segundo a publicação, "na plateia, havia presidente de empresa aérea, dono de uma das maiores tecelagens do país, controlador de rede de serviços estéticos, atacadistas, varejistas…" Mas a maioria não quer mostrar a cara. Vai ver essa gente ainda guarda aquele pudor que tinham os coronéis de Gabriela de deixar as moças do Bataclan frequentar a missa.

Bomfim coordenava a pré-campanha de Rocha e foi um dos esteios de João Doria na corrida pela Prefeitura de São Paulo. Talvez isso explique o surgimento de um burburinho em favor da chapa "Bolsodoria" em São Paulo: vale dizer, eleitores que votariam no tucano para governador e no militar reformado para a Presidência.

Eis aí: essa é parte da elite brasileira. E sou capaz de jurar que são pessoas que consideram que o Brasil é atrasado por culpa dos outros… Não sei quantos dos presentes poderiam repetir os juízos antropológicos de Hamilton Mourão, candidato a vice de Bolsonaro, segundo quem os problemas do Brasil derivam do cartorialismo português, da indolência do índio e da malandragem do negro. O que sei é que eles apostam na chapa Bolsonaro-Mourão para pôr ordem na casa. Estou certo de que portugueses, índios e negros não podem ser responsabilizados por aquele café da manhã.

Bomfim explica: "O que mais impressionou foi quando perguntamos como poderíamos ajudar com a campanha. Ele disse: 'Não quero doação; se vocês puderem gastar sola de sapato para divulgar meu nome, ótimo."

Ah, tá.

Bráulio Bacchi, da fabricante de móveis Artefacto, também deu relevo ao dinheiro:
"É meu candidato. Em quase 40 anos em financeiro de empresas nunca vi um candidato não pedir dinheiro."
Uma outra coisa ainda o encantou. Bolsonaro teria assegurado que "os melhores estarão nos melhores lugares". E Bacchi emenda:

"Está na hora de o Brasil ter empresários cuidando das coisas".

Certo! Bolsonaro não pediu dinheiro. Mas ele terá ou não o dinheiro de que precisa? Ademais, será preciso ver se "os melhores" vão querer aderir a seu governo, não é mesmo? A julgar pela tropa que mobiliza, inclusive de candidatos à Câmara, a gente tem uma ideia da excelência almejada. Ainda que toda a Academia de Atenas, liderada por Platão, se deslocasse para a Esplanada dos Ministérios, ela faria, por si, a maioria necessária no Congresso para aprovar reformas?

Segundo a Folha, Bolsonaro teria confirmado aos presentes a que circula como piada: Mourão teria sido escolhido como vice porque isso desestimularia eventuais pedidos de impeachment. A coisa é de tal sorte surreal que custo a crer que tenha sido dita com seriedade. Na hipótese de que assim tenha sido, não custa lembrar que, numa crise política aguda, à beira do abismo, ou já nele, pode-se cassar a chapa, não apenas o titular.

Essa gente desafia a frase de Talleyrand sobre os Bourbons: "Não aprendem nada nem esquecem nada". Esses de que falo, com efeito, não aprendem nada. E, pelo visto, já não se lembram mais do resultado explosivo da soma da inexperiência com a falta de apoio político no Congresso. Flávio Rocha, com esforço mnemônico, conseguiria reconstituir a história. Deve se lembrar dos varões de Plutarco que compunham o PRN.

A esquerda brasileira é, sim, atrasada. Aqui como em toda parte. Mas o atraso da direita — que, ademais, usurpa o qualificativo "liberal" para edulcorar seus transes reacionários — é imbatível. Tomara que, no fim das contas, a maioria do povo acabe tendo o bom senso que esses setores da elite não têm.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.