Comitê ligado à ONU cobra que Brasil permita que Lula concorra à eleição: o que é esse órgão, por que decide assim e os efeitos aqui no país
Vamos botar um pouco de ordem na bagunça.
Sim! É verdade! O Comitê de Direitos Humanos da ONU anuiu, em caráter liminar, com uma petição apresentada pela defesa de Lula, candidato do PT à Presidência, para que este tenha o direito de concorrer às eleições enquanto não se tem o trânsito em julgado da sentença. Em nota, a organização recomenda que o Estado "tome todas as medidas necessárias para garantir que Lula desfrute e exercite seus direitos políticos como candidato das eleições presidenciais de 2018"
Duas questões para esfriar um pouco o ânimo dos petistas:
1: decisão em caráter liminar significa, literalmente, "em caráter provisório"; portanto, pode ser revista; a decisão sai apenas no ano que vem;
2: a divulgação foi feita pelo escritório de Direitos Humanos da ONU, mas é, na verdade, do Comitê de Direitos Humanos, formado por especialistas independentes. Não pode, pois, ser chamada de "uma decisão da ONU".
Duas questões para esquentar ainda mais o ânimo dos petistas:
1: mesmo sem ser uma decisão da ONU, é claro que se trata de uma vitória do PT;
2: a decisão repercute além das fronteiras do país e ajuda a cobrir a interdição certa ao nome de Lula com uma espécie de manto da ilegitimidade, como quer o partido.
Paulo Sérgio Pinheiro, que integrou a Comissão Nacional da Verdade, que foi ministro dos Direitos Humanos e que preside, hoje, o comitê das Nações Unidas que investiga crimes de guerra cometidos na Síria, afirma que o país assinou um pacto reconhecendo a autoridade do organismo e diz que o país está obrigado a seguir a deliberação. Ele lembra que os 18 experts do órgão independente são eleitos pela Assembleia Geral.
Não é bem assim.
Vale para esse caso o que vale para a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a revisão da Lei da Anistia. Um país não perde a sua soberania ao assinar um tratado internacional. A corte máxima do país é o Supremo Tribunal Federal. Um país se expõe, em tese, a consequências quando não cumpre uma determinação de um órgão de que é signatário. Nesse área, as sanções são de ordem moral apenas. Mas, claro!, tem seu peso.
A decisão do comitê está ancorada em duas questões:
1: o Inciso LVII do Artigo 5º da Constituição diz que "ninguém pode ser considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória". Lula e outros cumprem pena — logo, sofrem os efeitos de quem é considerado culpado — antes do trânsito em julgado. O Brasil é dos poucos países em que a culpa só é estabelecida depois do julgamento em quarta instância — uma vez que, depois da segunda, ainda há o STJ e o STF. Mas é o que está em sua Constituição;
2: a Lei da Ficha Limpa impõe uma restrição a direitos políticos, que são direitos fundamentais, antes de o próprio estado reconhecer a "culpa".
Do ponto de vista jurídico, a decisão do comitê não muda em uma vírgula a situação de Lula. Mas é claro que dá ao PT combustível para declarar "urbi et orbi" a perseguição ao petista.