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Reinaldo Azevedo

Maioria dos brasileiros se opõe a mudanças na lei que proíbe e pune o aborto. Ainda: alternativa à prisão da mulher e o Supremo como legislador

Reinaldo Azevedo

22/08/2018 16h17

Ainda não foi desta vez que os defensores do aborto conseguiram convencer a maioria. Segundo pesquisa Datafolha publicada nesta terça, 59% dos brasileiros seguem contrários a mudanças na lei. Para lembrar: Os artigos 124 a 128 do Código Penal tratam o aborto provocado como crime, com pena de prisão de um a três anos para gestante e médico. Se este fizer o procedimento sem o consentimento da primeira, a pena pode chegar a quatro anos. Se a mulher sofrer danos físicos, a pena de quem atuou para auxiliar no aborto é majorada em um terço.

O Código não prevê punição para aborto provocado por médico em duas circunstâncias: risco de morte da mãe e gravidez decorrente de estupro. Por sua conta, o Supremo decidiu descriminar também a interrupção voluntária da gravidez de fetos anencéfalos.

Se 59% querem que a lei fique como está, 14% dizem que o aborto deveria ser permitido em qualquer caso. E ponto. Outros 13% defendem que se ampliem as circunstâncias em que a prática seria permitida. É correto dizer, pois, que 27% defendem mudanças na legislação.

É preciso prestar atenção às duas perguntas feitas pelo Datafolha:
1: uma quer saber se as pessoas querem manter ou mudar a lei — nesse caso, com ampliação das possibilidades do aborto descriminado ou com a descriminação total; não se fala em cadeia;

2: a segunda indagação trata especificamente da prisão.

Defendem a prisão 58% dos ouvidos; para 33%, tal pena não deve ser aplicada.

O instituto fez bem em separar as duas questões, é claro! Embora a manutenção da atual legislação já implique a admissão de que a mulher pode ir para a cadeia, isso poderia não estar claro o bastante para quem responde à pergunta.

Estou entre os que defendem que a lei fique como está no que respeita aos casos em que o aborto não é crime. A terceira causa de exclusão de crime — anencefalia — é uma aberração jurídica porque decidida no tapetão do Supremo. E, na minha República — a democracia de direito —, Judiciário não legisla.

Acho que nada deve mudar no que concerne à prisão do médico ou de quem se disponha a fazer o aborto em terceiros. Convenham: o aborteiro não o é de um feto, mas de uma penca. Não cabe que se dispense a ele qualquer atenuantes. Quanto à mulher, penso que se pode, sim, debater a possibilidade de uma alternativa à prisão. Algo como um Termo Circunstanciado de Ocorrência — desde que não haja reincidência —, poderia ser lavrado, de sorte que fique consignado a prática do crime.

Ademais, há de se notar que, já hoje, os juízes tendem a dar respostas diferentes para o mesmo problema. Com frequência, são aplicadas penas alternativas à prisão.

De todo modo, este é um assunto que cabe ao Congresso, não ao Supremo. Uma Ação Direita de Inconstitucionalidade está em votação no Supremo. Argumenta que a proibição do aborto fere direitos fundamentais da mulher. Por sua conta, o ministro Roberto Barroso levou a maioria da Primeira Turma (além dele próprio, Rosa Weber e Edson Fachin) a decidir que a interrupção voluntária da gravidez até a 12ª semana não é crime. A decisão não tem repercussão geral nem efeito vinculante. Serve mais à propaganda.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.