Topo

Reinaldo Azevedo

TSE declara Lula inelegível por 6 votos a 1; por 5 a 2, ele não pode aparecer na propaganda do PT como candidato. Será que isso é bom?

Reinaldo Azevedo

01/09/2018 04h46

Rosa Weber: foi a única a dar um voto sensato no começo da madrugada deste sábado

Por seis votos a um, o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que Lula não pode ser candidato. O voto vencido, nesse particular, é de Edson Fachin. Por cinco votos a dois, o tribunal houve por bem proibir Lula de praticar "atos de campanha" — vale dizer: ele não pode aparecer no horário eleitoral gratuito como candidato. E como apoiador? Pode? Não há legislação que o proíba. Mas esse papo de "lei" tem cada vez menos importância no país. Nesse caso, Rosa Weber, presidente do tribunal, também foi voto vencido. O PT que pensa e pondera deu um suspiro de esperança. Por quê?

Para o PT, Quanto antes Fernando Haddad aparecer como o candidato do partido à Presidência, com o apoio de Lula, melhor! Afirmei isso no rádio, aqui no blog, na TV, em toda parte. Se a decisão se arrastasse até a data-limite, 17 de setembro, sobrariam três semanas para a transferência de milhões de votos. Já a partir de agora, creiam, o tempo é exíguo. Mas, por óbvio, melhor mais tempo do que menos. Acontece que não estou aqui para aplaudir aquela que é a melhor decisão para o PT. Não aplaudiria nem que fosse a pior. Estou aqui para analisar se a decisão faz ou não sentido. E, creiam, perpetraram-se entre esta sexta e este sábado, múltiplos estupros da ordem legal. Essas coisas sempre têm consequências,

O único membro da corte a dar um voto decente foi Rosa Weber. E olhem que não costumo ver na ministra um exemplo de talento para as lentes jurídicas. Mas acertou desta vez, Vamos ver. De saída, cumpre lembrar, e já escrevi a respeito, que a votação de mérito jamais poderia ter acontecido nesta sexta. Barroso desrespeitou prazos, E isso já é grave o bastante.

Mas o que é, com efeito, escandalosamente absurdo é o fato de ele ter decidido ignorar de maneira flagrante o conteúdo da Lei Eleitoral. Acompanhem: Cabe recurso ao Supremo Tribunal Federal contra a decisão do TSE. Enquanto cabe, a candidatura está "sub judice". Tal expressão não tem caráter subjetivo. "Sub judice" é tudo aquilo que está pendente, dependendo mesmo, de decisão judicial de atos em curso.

O Artigo 16-A da Lei Eleitoral, a 9.504, é de uma clareza solar:
"O candidato cujo registro esteja sub judice poderá efetuar todos os atos relativos à campanha eleitoral, inclusive utilizar o horário eleitoral gratuito no rádio e na televisão e ter seu nome mantido na urna eletrônica enquanto estiver sob essa condição, ficando a validade dos votos a ele atribuídos condicionada ao deferimento de seu registro por instância superior".

QUE FIQUE CLARO:
– Lula foi condenado sem provas;
– o TRF-4 também deu andamento de exceção ao julgamento…;
– a Lei da Ficha limpa traz uma porção de aberrações.

MAS NADA DISSO ESTAVA EM QUESTÃO.

E EU TAMBÉM ACHO QUE A LEI DA FICHA LIMPA IMPEDE QUE LULA SEJA CANDIDATO.

Ora, se é a letra da lei a dizê-lo, e a ela devemos todos nos subordinar, seja boa ou ruim, é igualmente a letra da lei que estabelece que o candidato tem o direito a todos os atos de campanha enquanto sua postulação estiver sub judice. E, como já notei aqui ontem e observou mais tarde Rosa Weber, a candidatura está sub judice porque pendente ainda de recurso ao Supremo. Assim, temos que:
– obedecendo a lei, a candidatura de Lula tem de ser rejeitada pelo TSE;
– obedecendo a lei, Lula não pode ser proibido de praticar atos de campanha enquanto o STF não der a última palavra.

Esse também foi o voto da ministra Rosa Weber. E, como sabem, foi o meu "voto" bem mais cedo, neste blog.

Roberto Barroso inventou que o trânsito em julgado da questão se dá com o voto do TSE. Ora, se assim fosse, não caberia mais recurso. Mas cabe. Enquanto couber, é uma candidatura "sub judice". Em sendo, há prescrição legal sobre o que pode e o que não pode.

Mas Barroso mandou a lei às favas e foi seguido pelos ministros Jorge Mussi (STJ), Og Fernandes (STJ), Admar Gonzaga (advocacia) e Tarcísio Vieira (advocacia).

Rosa disse a coisa certa: segundo a lei, se quiser, o PT mantém o nome de Lula nas urnas. Se a candidatura, depois, for rejeitada definitivamente, como deve ser, os votos a ela dirigidos serão considerados inválidos. Se a lei é ruim, que seja mudada. Enquanto existir, tem de ser cumprida. Se não me engano, o candidato que a maioria dos eleitores mandaria para a Palácio do Planalto está preso e não vai disputar porque acusado de… descumprir a lei.

Exotismos
A decisão foi de tal sorte exótica que, dada uma questão de ordem levantada pelo advogado de Lula, Luiz Fernando Pereira, os senhores ministros se mostraram apatetados.

Pereira observou o óbvio: o PT iria cumprir a decisão, mas reivindicava, com base na lei, o direito de usar o horário eleitoral enquanto não formaliza a troca de candidato. Afinal, segundo a lei (de novo, ela..), tal espaço pertence ao partido, que tem um vice. A advogada que defende o Novo, um dos peticionários contra Lula, queria cassar o horário eleitoral do partido. Sabem como são os nossos "liberais". São capazes de coisas de que até Adam Smith duvidaria.

Barroso propôs, então, uma reunião fechada — um "conselho", como chamou. Esse rapaz está sempre inovando. Na volta, decidiu-se que o PT poderá dispor do horário eleitoral desde que Lula não seja apresentado como candidato. Sobre a sua presença no programa, há indefinição. Os candidatos podem reservar 25% do tempo de que dispõem para apoiadores. Será que Lula pode ser considerado ao menos "um apoiador" do PT?

Não! A lei nada dispõe a respeito de apoiadores que estejam na cadeia. Até porque o legislador não imaginou que alguém pudesse usar tal condição como ativo. Se o PT vai fazê-lo, talvez haja algo de estranho nos dias em curso.

Sintetizo
No caso de alguém ainda não ter entendido

1: Lula está inelegível pela Lei da Ficha Limpa;
2: isso não traduz juízo de valor sobre a condenação;
3: o TSE  declarar a sua inelegibilidade está de acordo com a Lei da Ficha Limpa;
4: ignorar prazos não está de acordo com lei nenhuma;
5: segundo a lei, a decisão de declarar a inelegibilidade de Lula está correta;
6: segundo a lei, impedi-lo de participar do horário eleitoral é uma aberração;
7: parte do PT comemorou a decisão, embora finja o contrário.

Acreditem! Essa não é a melhor forma de enfrentar o PT. Trata-se apenas da pior.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.