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Reinaldo Azevedo

“Cirinho Paz e Amor” já era. Candidato do PDT parte pra cima de Alckmin e Bolsonaro e, por ora ao menos, ignora Haddad, o substituto

Reinaldo Azevedo

05/09/2018 06h42

Ciro Gomes, candidato do PDT: ele aponta o dedo contra um monte de gente

Que lugar sobrou para o candidato do PDT à Presidência, Ciro Gomes? De um lado, assistiu à fuga dos partidos do "Centrão". Suas ideias foram consideradas "esquerdistas" demais para a turma, que migrou para a candidatura do tucano Geraldo Alckmin. Pelo flanco esquerdo, veio o ataque de Lula, que lhe retirou, na undécima hora, um apoio que se afigurava como certo: o do PSB. A Ciro restaram minguados 28 segundos em cada bloco de 12 minutos e meio no horário eleitoral. Terá direito no primeiro turno a 51 inserções apenas. A realidade objetiva o obrigou a rever um certo "Cirinho Paz e Amor" quer chegou a se esboçar.

O candidato vinha contendo a sua reconhecida, até por ele mesmo, incontinência verbal. Não mais. O elemento que desencadeou a mudança foi uma reportagem da revista "Veja" em que Niomar Calazans, ex-tesoureiro do Pros, afirma que Ciro "sabia e participava" de um esquema de extorsão no Ceará denunciado pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, do qual Cid Gomes, seu irmão, também faria parte.

Na sabatina promovida pelo Estadão e pela Faap nesta terça, o candidato voltou aos velhos tempos. Reservou palavras nada gentis à revista e, sem apresentar evidências, acusou o tucano Geraldo Alckmin e o presidente Michel Temer de estarem por trás de uma espécie de complô envolvendo a publicação:
"Que tal vocês imaginarem que eles compraram uma matéria caluniosa na revista Veja? Foram os dois juntos, o Temer e o Alckmin, todo mundo está sabendo".

Pois é… Ninguém está sabendo, e o candidato poderia dar, então, a pista que levasse às evidências de algo tão grave. Para ele, a prova estaria num pedido de financiamento que o grupo Abril teria feito ao BNDES. Bem a ser assim, todo mundo que mantém algum contrato com o banco de fomento é, de saída, suspeito.

Confesso, senhores leitores, que já não tenho paciência para esses vazamentos do que chamo "lava-jatices". Parece-me evidente que o Partido da Polícia transforma em alvo todos aqueles que não rezam segundo os termos de sua cartilha. E a Família Gomes não escapou. Ocorre que adversários de Ciro são alvos dos mesmos expedientes. E, nesse ponto, ele volta a atravessar o samba. Referindo-se a Alckmin, afirmou:
"Ele próprio está respondendo a inquérito com delação premiada de ter participado do escândalo da Odebrecht. Toda a sociedade brasileira sabe do inquérito Alstom dos trens de São Paulo. Toda a sociedade brasileira ficou chocada com o escândalo da merenda escolar. Todo mundo já ouviu falar do Paulo Preto".
Para lembrar: o candidato do PSDB é investigado pela Justiça Eleitoral numa acusação de caixa dois. Mas não nos casos Alstom, Merenda e Paulo Preto.

Os ataques não se resumiram a Alckmin. Ciro também mirou em Jair Bolsonaro. Classificou a sua eventual eleição de "suicídio coletivo" e aproveitou para alfinetar as, digamos, elites:
"Lembre-se que quem está puxando o Bolsonaro são os ricos, os brancos e os machos —ou os homens—, e é basicamente esse lado mais truculento e mais egoísta da sociedade".

Há uma semana, ele já chamou o candidato do PSL de "projeto de Hitlerzinho tropical".

Qual é a estratégia?
Que estratégia ou que leitura da realidade determina essa guinada? Até a última rodada de pesquisas, Bolsonaro liderava a disputa quando Lula não aparecia entre os candidatos. O petista está fora. Fernando Haddad entrará em seu lugar. Sem Lula, é Marina (Rede) quem aparece em segundo. Ciro e Alckmin disputam o terceiro lugar. É de se notar que o candidato do PDT preservou Fernando Haddad de ataques. Parece apostar na possibilidade de que a transferência de votos de Lula para o ex-prefeito de São Paulo não aconteça.  E aí estaria a sua chance de passar para o segundo turno. Para tanto, tem de acenar à esquerda com o viés anti-Bolsonaro — que, nesse arranjo, teria já um lugar garantido no segundo turno — e de vencer, numa primeira investida, seu antípoda no segundo lugar do pódio: Alckmin. Ocorre que ainda existe a resiliente Marina.

As possibilidades de Ciro, pois, dependeriam da combinação de um conjunto de fatores que, à primeira vista, parece implausível. Ocorre que há momentos em que as pessoas não escolhem a estratégia, mas são escolhidas por ela. Ciro não tem como disputar influência com Lula — então é melhor deixar pra lá essa questão. Se a transferência de votos para Haddad se operar, há o risco de que arraste, inclusive parte do eleitorado do pedetista. Mas nada há a fazer a respeito. Não se bate boca com um preso.

Para sobreviver, na hipótese de o PT ficar fora da disputa, Ciro tem de distribuir bordoadas, apresentando-se como antitucano, anti-Temer e anti-Bolsonaro.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.