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Reinaldo Azevedo

A régua é a mesma: lamentei câncer de Dilma e censurei atuação eleitoreira; lamento ataque a Bolsonaro e... lamento exploração eleitoreira

Reinaldo Azevedo

07/09/2018 08h56

Dilma anuncia, em 2009, que está se tratando do câncer. Anúncio foi decoroso. A exploração veio depois

A única coisa sensata, decente, racional, prudente, correta, honrada, escolham aí adjetivos do gênero, a fazer diante do ataque de que foi alvo o presidenciável Jair Bolsonaro é repudiar o episódio sem meios-tons, sem meias-palavras. Ele foi a vítima. O nome do agressor é Adelio Bispo de Oliveira, que está preso. Em depoimento à Polícia, disser ter agido inspirado por Deus. Já foi filiado ao PSOL. Suas postagens nas redes sociais somam clichês do esquerdismo e do direitismo mais rombudos. Um membro de sua família afirma que teve um surto mental. Não há nenhuma evidência, até agora, de um atentado político. É um alento em meio a tanta coisa ruim, de consequências ainda incertas.

Reitero aqui o apelo que fiz ontem no programa "O É da Coisa". Pouco importa de que lado ou em que nicho você esteja na disputa eleitoral em curso, cumpre ter prudência, repudiar o radicalismo, ponderar antes de sair apontando o dedo acusador. Agiram muito mal os que saíram por aí a fazer acusações e a divulgar teorias conspiratórias. Lamento ainda que o deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSL), candidato ao Senado pelo Rio, antes ainda de ter as devidas informações sobre o estado de saúde do pai e a extensão e gravidade das lesões, tenha decretado:
"Ele está mais forte do que nunca, consciente, conversando, bem-humorado. Um recado para esses bandidos que tentaram arruinar a vida de um cara que é um pai de família, que é esperança para todos os brasileiros: vocês acabaram de eleger o presidente, vai ser no primeiro turno".

Não é coisa que se deva dizer. Em primeiro lugar, que se saiba, o "bandido", ou o criminoso, para ficar numa linguagem técnica, é um só. A Polícia Civil de Minas parece ter chegado a um segundo nome. De qualquer modo, não se trata de uma orquestração de adversários de Bolsonaro na disputa. Afirmar que Bolsonaro vai se eleger no primeiro turno horas depois da agressão parece ser aquilo que é: uma exploração indevida do que não deixa de ser um trauma no processo eleitoral.

Mais: circula um vídeo feito na UTI. Com a voz fraca, visivelmente abatido, mas claramente consciente, Bolsonaro envia uma mensagem a seus eleitores, dizendo nunca ter feito mal a ninguém. Sou um homem um tanto inatual, para recorrer a uma palavra da predileção de Nelson Rodrigues. Não me parece razoável que se use um momento como esse para fazer apelos ao eleitorado. Sim, é plausível que o candidato do PSL venha a colher efeitos eleitoralmente positivos. Mas isso pertence à natureza dos eventos. Não é preciso forçar a mão.

Quando se anunciou, em 2009, que Dilma era portadora de um câncer linfático, escrevi neste blog que lamentava o fato, expressei meus votos em favor de sua recuperação e fechei a área de comentários para evitar proselitismo. E expressei, então, um desejo: que a já candidata de Lula à Presidência tivesse o bom senso de não usar a doença como instrumento eleitoral. Infelizmente, ela e sua equipe de marketing eleitoral exploraram amplamente a questão. A mensagem nada sutil era a seguinte: quem venceu o câncer vencerá os problemas do Brasil.

Dilma tratou de seu câncer no Sírio-Libanês — Lula fez o mesmo, quando ele também foi diagnosticado com a doença. Censurei explicitamente aqueles que entravam no blog para vociferar: "Não é petista? Que se trate, então, no SUS! Por que o Sírio?"

Não mudei meus critérios. Critiquei o antipetismo que via no câncer dos petistas uma espécie de castigo justo, quem sabe divino, e fiz o mesmo com o petismo por transformar a doença em moeda eleitoral.

Há matérias que devem ficar acima da exploração política. É minha recomendação a antibolsonaristas, a bolsonaristas e aos Bolsonaros.

O arquivo do meu blog está à disposição. Essa é a minha postura. E não vou mudar.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.