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Reinaldo Azevedo

Dólar chega a R$ 4,17 e depois recua um pouco; é especulação sem motivo; “mercados” gostam de quem maioria dos pobres não gosta. E agora?

Reinaldo Azevedo

11/09/2018 16h54

Os especuladores estão como o diabo gosta. O dólar chegou a negociado a R$ a 4,1774. Enquanto escrevo, está em R$ 4,1605. A leitura é a de que Geraldo Alckmin (PSDB) é o ponto de estabilidade do país. Dá para entender por quê. Se eleito, terá uma sólida base no Congresso, e tudo fica mais fácil. Mas também se criou a ficção de que o outro candidato que representa a calmaria é Jair Bolsonaro (PSL). Não dá para saber o motivo além de uma dessas questões, vamos dizer, místicas — ou míticas. E é bom notar: na turminha do mercado financeiro, o "mito", em boa parte dos casos, não é a segunda opção, não, caso o tucano não emplaque: é a primeira mesmo! Deve ser aposta nos dotes mediúnicos de Paulo Guedes. Essa fatia do mercado passou a achar que um candidato que se elege sem apoio no Congresso conseguiria trazer estabilidade ao país.

Querem saber? É puro ânimo para especular. Aí se tem a desculpa: "Ah, é que a esquerda avançou na pesquisa Datafolha de ontem…" É, avançou um pouco. Desse campo ideológico, os únicos com chances são Ciro Gomes (13%) e Fernando Haddad (9%), que, aliás estão destinados a quebrar o pau em breve. Será uma questão de sobrevivência para os dois. O candidato do PDT será engolido pela máquina petista na conquista pelos votos à esquerda se não bater duro no adversário do mesmo lado. E Haddad sabe que parte dos votos que estão com Ciro tem um viés ideológico idêntico ao do petismo. Aliás, os votos de Ciro são um território que o petismo terá necessariamente de invadir. Marina Silva (Rede), que não serve de pretexto à especulação, ainda que também sem aliados, parece que já tende a ser engolida pelos dois candidatos de esquerda. Teve um queda expressiva de votos.

Há razão para a especulação? A resposta objetiva é esta: não! Não ao menos nessa magnitude. Afinal, quem pode chegar ao segundo turno no campo esquerdista são, reitere-se, Haddad e Ciro Gomes. Não é Guilherme Boulos. Mais: não há razão objetiva, econômica, que justifique o ataque especulativo contra a nossa moeda.

Ademais, já foi o tempo em que afirmar que "Fulano causa instabilidade nos mercados" poderia ter algum efeito eleitoral. Não teve, note-se, em 2002.  O PT assinou a Carta ao Povo Brasileiro porque outros eram os tempos e foi preciso fechar um acordo com o FMI na antevéspera da eleição. O PT, note-se, fez parte das negociações. Agora, a situação é outra.

O que há a se registrar a respeito? A chamada REALIDADE! Os que mais acabam sofrendo com a especulação desenfreada são os mais pobres, não é mesmo? Nem é preciso explicar por quê. Quando se olham os números do Datafolha, constata-se que rejeição maior a Bolsonaro, o incompreensível "darling" dos mercados está justamente entre os mais pobres e menos escolarizados. A rejeição a Bolsonaro no eleitorado que tem apenas o ensino fundamental oscilou para cima: de 37% para 39%. Entre os que ganham até dois salários mínimos, também houve crescimento: de 41% para 46%. Na faixa de 2 a 5 salários, não votariam nele de jeito nenhum 42%. Eram 38% há três semanas. Ele também é o mais rejeitado por aqueles que se dizem pardos: 40%. Entre os que se identificam como negros, esse número chega a 46%. No Nordeste, o "não" ao candidato oscilou de 50% para 51%.

Quando se cruzam os dados de renda, escolaridade e cor da pele, não fica difícil concluir que estamos falando de milhões de pessoas que não têm a chance de especular com dólar e que não regulam as suas escolhas segundo aquilo que os tais "mercados" consideram uma aposta na estabilidade. O divórcio entre a massa imensa de brasileiros que mal arranhou até agora a participação efetiva numa sociedade de mercado e as elites econômicas que aproveitam a instabilidade para especular explica a emergência do populismo de esquerda. A pior resposta a ele, por certo, é o populismo de direita.

Mas vá explicar isso a alguns dos nossos "universitários"… O povo nunca entra na conta dessa gente. Mas entra na dos demagogos.

Sobre o autor

Reinaldo Azevedo, que publicou aqui o primeiro post no dia 24 de junho de 2006, é colunista da Folha e âncora do programa “O É da Coisa”, na BandNews FM.

Sobre o blog

O "Blog do Reinaldo Azevedo" trata principalmente de política; envereda, quando necessário — e frequentemente é necessário —, pela economia e por temas que dizem respeito à cultura e aos costumes. É uma das páginas pessoais mais longevas do país: vai completar 13 anos no dia 24 de junho.